Recensão por: Renato Miguel do Carmo.

bp

Alves, Nuno (2009), “Novos factos sobre a pobreza em Portugal”, Boletim da Primavera, Banco de Portugal, pp. 125-154.

Este estudo publicado no Boletim da Primavera (2009) do Banco de Portugal (pp. 125-154), da autoria de Nuno Alves do Departamento de Estudos Económicos, vem actualizar os dados sobre os níveis de pobreza em Portugal, tendo por base o último Inquérito às Despesas das Famílias (IDEF) realizado pelo INE em 2005/6.

 Os principais resultados do estudo (que pode consultar aqui) confirmam muitas das tendências enunciadas por outros trabalhos publicados recentemente (Rodrigues, 2007Costa et al, 2008). De qualquer modo, do ponto de vista metodológico, este apresenta algumas novidades, designadamente, o facto de contemplar os dados sobre a despesa dos agregados (para além da análise habitual sobre a distribuição do rendimento) que, segundo algumas perspectivas, pode captar melhor “não só o nível de vida a longo prazo, mas também o papel de programas governamentais e dos mercados de crédito” (p. 128). Este enfoque sobre a despesa revelar-se-á particularmente importante no futuro, nomeadamente, para os próximos inquéritos nos quais já se poderão medir alguns efeitos da crise financeira e económica que deflagrou no final de 2008.

Em Portugal o número de pessoas pobres, que se situam a abaixo da linha de pobreza, ronda os 2 milhões, dos quais cerca de 300 mil são crianças. Embora a pobreza seja um fenómeno multidimensional, não havendo por isso uma causa única que explique a relevância destes números, identifica-se um conjunto de regularidades que têm sido realçadas nos diversos estudos realizados sobre esta temática. Por exemplo, existe uma forte relação com o número de elementos do agregado familiar, com a idade e com o nível de instrução. Ou seja, a incidência da pobreza é maior nas famílias mais numerosas, nas pessoas mais idosas e nas menos qualificadas e escolarizadas.

Aliás, esta última variável é extremamente significativa, o número de anos de educação surge como um indicador decisivo na identificação da incidência da pobreza em Portugal: “a taxa de pobreza diminui consistentemente à medida que aumenta o número de escolaridade completa” (p. 136). O estudo identifica dois factores estruturais que tendem a determinar o carácter reprodutivo decorrente da escolarização: a) detecta-se uma ?prevalência de vínculos conjugais positivamente relacionados com o nível de educação? (p .148); b) “existe uma significativa transmissão intergeracional da educação em Portugal, o que contribui para a transmissão intergeracional da pobreza”(p. 149). Dito de outro modo, quer ao nível dos laços de conjugalidade, quer nas trajectórias intergeracionais (de pais para filhos), a escolaridade representa um recurso decisivo de selectividade social.

Para além das dimensões anteriores, o autor refere que a condição perante o trabalho é crucial no aumento da exposição à pobreza: “famílias em que o representante (ou o cônjuge/companheiro) exerce uma profissão observam taxas de pobreza muito menores relativamente às famílias em que o representante (ou o cônjuge/companheiro) não trabalha” (p 137). Este dado é tanto mais revelador quando se verifica que “a probabilidade de uma família ser pobre diminui substancialmente com a existência de membros adicionais do agregado familiar (para além do representante) a exercerem uma profissão” (p. 147).

Este dado é muito importante tendo em conta a conjuntura actual em que o desemprego tenderá a crescer nos próximos meses, prevendo-se o aumento de situações de maior vulnerabilidade socioeconómica, que poderão “empurrar” um conjunto significativo de agregados para a situação de pobreza. Os próximos inquéritos serão decisivos para averiguar o impacto desta evolução.