Recensão por: Frederico Cantante.

o que sabemos sobre a pobreza em portugal

Teixeira, Aurora C., Sandra T. Silva e Pedro Teixeira (orgs.) (2010), O que Sabemos Sobre a Pobreza em Portugal?, Porto, Vida Económica.

Livro resulta de uma homenagem feita a Leonor Vasconcelos Ferreira.

O Que Sabemos Sobre a Pobreza em Portugal? é baseado nas comunicações apresentadas na conferência homónima em memória de Leonor Vasconcelos Ferreira. Consiste numa homenagem a uma académica e investigadora feita a partir da problematização e análise das duas temáticas basilares da sua obra: a pobreza e a desigualdade de rendimento. Os dois primeiros capítulos são aliás vocacionados para uma breve recensão da obra da investigadora, apresentação dos seus interesses e contributos científicos e esboço do seu percurso profissional. Os restantes quatro capítulos têm uma natureza mais analítica, e intitulam-se “Pobreza, direitos humanos e democratização da economia”, “Reflexões sobre a pobreza em Portugal”,” Reflexões sobre as desigualdades sociais em Portugal”, “Reflexões sobre indicadores sociais”.

No terceiro capítulo, Manuela Silva começa por apresentar e defender os fundamentos teóricos que suportam o entendimento da pobreza enquanto violação dos direitos humanos, para num segundo momento criticar o actual modelo de desenvolvimento económico global, insustentável do ponto de vista ambiental e da coesão social. A partir do entendimento de que a pobreza consiste numa violação dos direitos humanos, a investigadora faz a apologia da crítica do modelo económico dominante, defendendo que é imperioso “atender às necessidades de consumo e às potencialidades de emprego e inserção no sistema produtivo dos grupos da população mais carenciada e providenciar no sentido da criação de serviços de proximidade adequados às suas reais necessidades e recursos humanos” ( p. 71).
O capítulo seguinte é composto por três contributos, todos eles tendo como eixo analítico central a pobreza. Ana Cardoso atém-se na explicitação dos pressupostos que, na sua opinião, devem alicerçar a erradicação da pobreza: a concepção holística da pobreza, a mudança institucional, a consciencialização individual face a este problema. Manuel Brandão Alves analisa as virtualidades do microcrédito e a sua implementação em Portugal. Nuno Alves sustenta estatisticamente que o nível de escolaridade é o principal factor explicativo das situações de pobreza e do nível de rendimento das famílias.
No capítulo V o enfoque analítico recai sobre as desigualdades sociais. Carlos Farinha Rodrigues mede a evolução das desigualdades de rendimento e bem-estar em Portugal no período 2000-2006. Conclui que não houve nesse período uma alteração significativa dessa distribuição, embora entre 2003 e 2006 se tenha assistido ao aumento da porção do rendimento detido pelos grupos mais desfavorecidos. Maria do Pilar González analisa as desigualdades de remuneração entre géneros em Portugal, procurando identificar os factores que contribuem para essa realidade. Por seu lado, Virgílio Pereira faz uma breve reflexão sobre as desigualdades socioespaciais existentes na cidade do Porto, explicitando a sua origem histórica, as feições que assume no presente e o papel exercido pelo Estado nesse processo.    
No último capítulo José Madureira Pinto ensaia um conjunto de reflexões metodológicas em torno do uso e construção de indicadores estatísticos. Além de sublinhar a importância de se questionar o sentido e os componentes dos indicadores estatísticos e os limites que esses componentes impõem à medição da realidade empírica, o autor promove uma interessante análise acerca da selecção/construção de indicadores. Explicita que esta é uma “operação charneira” (p. 190), um momento intermédio no qual a elaboração teórica e conceptual e a medição da realidade empírica se cruzam, o que implica que se estabeleça “um compromisso entre as exigências e ambições semânticas da problematização teórica e as necessidades de contenção impostas pela observação metódica do real (…)” (p. 191).
Os dados e algumas das perspectivas analíticas que integram este livro são bons instrumentos para se compreender e problematizar a pobreza e as desigualdades em Portugal. Esta é, porém, uma obra bastante heterogénea no que concerne ao nível e alcance analítico dos diferentes contributos que a compõem, conciliando ensaios essencialmente opinativos com outros mais sustentados do ponto de vista teórico e/ou empírico.   
Frederico Cantante
Publicado originalmente em Observatório das Desigualdades, 2011