Recensão por: Liliana Pacheco

Alves, Nuno de Almeida, Frederico Cantante, Inês Baptista e Renato Miguel do Carmo (2011), Jovens em Transições Precárias. Trabalho, Quotidiano e Futuro, Lisboa, Mundos Sociais.

A precariedade não se circunscreve à questão laboral, expande-se pelas várias dimensões e sectores da vida social, atingindo de forma grave (mas não exclusiva) a população mais jovem de Portugal.

O livro Jovens em Transições Precárias. Trabalho, Quotidiano e Futuro, lançado no final do ano passado pela Editora Mundos Sociais, nasce a partir de um “estudo exploratório qualitativo sobre os jovens trabalhadores inseridos em postos de trabalho pouco qualificados”, levado a cabo pelo Observatório das Desigualdades, em resposta ao desafio lançado pelo Instituto da Segurança Social [i]. Este estudo envolveu a realização de 80 entrevistas semi-directivas, em quatro concelhos do país, a jovens entre os 18 e os 34 anos, colocados em postos de trabalho pouco qualificados e de baixa remuneração. Procura-se aqui compreender como esta dimensão se articula com outras das suas vidas, como a habilitação escolar, a qualificação profissional, o regime laboral e o próprio agregado familiar.
A oportunidade deste estudo é desenhada num ano em que os movimentos juvenis e de trabalhadores precários alcançaram uma dimensão considerável na esfera pública, em Portugal, em Espanha, na Grécia e fora da Europa. Apesar de serem os jovens licenciados os que acabaram por conquistar maior atenção mediática, os menos qualificados também têm sido afectados pelo processo de precarização.
Ao longo das últimas décadas, são vários os fenómenos nacionais e internacionais, identificados no livro, em traços gerais, que se têm conjugado e que conduziram à problemática integração laboral dos jovens.
Esta obra, de leitura fácil, ilustrada com abundantes excertos das entrevistas realizadas, que acoplam aos frios números uma outra dimensão humana, está estruturada em cinco capítulos. O primeiro debruça-se sobre a criação de uma tipologia para o conjunto dos entrevistados, apoiada nas variáveis de escolaridade e profissão desempenhada. Esta tipologia servirá como guia para a análise de outras dimensões. As dificuldades presentes de integração laboral dos entrevistados e a procura do seu fundamento estrutural são o objectivo do segundo capítulo. As trajectórias sociais e educativas destes jovens dão o mote para a análise feita na terceira parte, enquanto no quarto capítulo se procura entender como se deu (ou não) a emancipação face à família de origem, e se existe um agregado familiar autónomo. No quinto capítulo, vemos quais são as estratégias de superação equacionadas por estes jovens para ultrapassar uma situação de vulnerabilidade, estando directamente relacionadas com as condições materiais e educativas de partida.
Através deste estudo, percebemos que a precariedade não se circunscreve à questão laboral, expande-se pelas várias dimensões e sectores da vida social, atingindo de forma grave (mas não exclusiva) a população mais jovem de Portugal. Encontramos quase um modo de vida, marcado pelo receio de que se possa ficar de repente sem fonte de rendimento ou com um rendimento insuficiente. A imprevisibilidade de um quotidiano precário faz com que diversos rituais de transição para a vida adulta sejam adiados consecutivamente: a autonomização financeira, a saída de casa dos pais, a criação de um novo agregado familiar ou a procriação. Muitos dos entrevistados afirmam que não conseguem fazer um planeamento familiar a médio prazo, existe a sensação de viver no limite. A família assume um papel de destaque neste contexto: as redes de solidariedade emanam principalmente das relações entre familiares. Grande parte dos entrevistados reconhecem (e isso constitui um certo factor de surpresa) que a escolarização ainda representa a principal via para atingir as suas aspirações sociais e económicas. Nas expectativas em relação ao futuro, identificam-se duas facções distintas nos entrevistados: uns não conseguem perspectivar nenhum caminho para alterar a situação actual e construir uma previsão mínima de futuro. Outros, ao contrário, imaginam o futuro como uma realidade passível de ser antevista – neste segundo grupo inserem-se os entrevistados mais qualificados. Mas, independentemente da qualificação, uma hipótese invocada com alguma recorrência é a da emigração, como aconteceu com gerações anteriores em Portugal. Uma certa descrença em relação ao país e à sua economia é patente em muitos discursos. Os autores alertam para que estas tendências se possam agravar no contexto de crise social profunda em que vivemos. Esta obra tenta trazer à luz um lado mais sombrio e subjectivo da precariedade: o peso diário de viver na vertigem de não ter um futuro e o desgaste que este receio exerce no quotidiano de uma geração.   
[i] Esta recensão foi originariamente publicada no jornal Le Monde Diplomatique – edição portuguesa, nº 64.
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