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Despesa com o ensino pré-primário em Portugal é fortemente suportada pelas famílias

 

Escolaridade dos pais influencia os percursos escolares dos filhos.

Mais de metade da população adulta de Portugal (25-64 anos) não foi além do ensino básico, um valor  cerca de duas vezes superior à média dos países da OCDE. Apesar deste atraso estrutural, o país tem conhecido importantes processos de recomposição do perfil escolar da sua população, facto ilustrado pelo aumento muito acentuado da proporção dos jovens adultos (25-34 anos) que concluíram no máximo o ensino secundário ou pós-secundário: 44% em 2007, 70% em 2017, o aumento mais significativo verificado nos países da OCDE. Ainda assim, este valor continua significativamente abaixo do apurado para o conjunto de países dessa organização (85%). Do ponto de vista das vias de ensino seguidas neste patamar educativo, 41% dos estudantes estão inscritos em cursos vocacionais, perto dos 44% registados ao nível da OCDE.

A tendência de aproximação escolar imperfeita de Portugal em relação aos países mais desenvolvidos existe também quando se analisa a população que concluiu o ensino superior: 34% dos jovens adultos têm este nível de ensino, bastante acima dos 21% apurados em 2007, mais ainda assim 10 pontos percentuais (p.p.) abaixo da média da OCDE.

Em relação ao ensino pré-primário, têm-se verificado alterações positivas ao nível da sua frequência. Entre 2005 e 2016, a taxa de inscrição das crianças com três e quatro de idade em instituições de ensino aumentou, respetivamente, de 64% para 83% e de 79% para 90%. Ambas as proporções de inscrição referentes ao último ano referido situam-se acima da média da OCDE. Quanto às crianças com 5 anos, 95% estão inscritas no ensino pré-primário. A despesa com o ensino pré-escolar em Portugal em percentagem do PIB é semelhante à verificada nos países da OCDE (0,6%), mas a despesa por aluno nesse patamar educativo é inferior: 7100 USD para 8400 USD. A composição dessa despesa apresenta diferenças avultadas. O Estado português financia 64% da despesa com o ensino-pé-primário, enquanto as famílias asseguram os restantes 36%. Este é o terceiro valor mais elevado no conjunto de países mencionados, 20 p.p. acima da média apurada.

O Education at a Glance 2018, publicado pela OCDE, permite perceber que a relação entre os recursos educativos e o fenómeno das desigualdades é multidimensional e manifesta-se em várias dinâmicas de interacção. A um nível mais geral, conclui-se que os países mais desiguais tendem a apresentar níveis de escolaridade da sua população mais baixos. Do ponto de vista dos processos de mobilidade social, demonstra-se que os recursos educativos das famílias de origem pesam bastante no sucesso dos desempenhos escolares e dos patamares educativos atingidos. Esta relação manifesta-se logo nas fases iniciais do ensino e perdura ao longo do percurso escolar. Em Portugal, as crianças com menos de três anos, filhas de mães com ensino superior, têm uma probabilidade de estar inscritas no ensino pré-escolar 17 p.p. mais elevada do que aquelas cujas progenitoras não têm esse nível escolar (diferença de 10 p.p. no países da OCDE). Este tipo de reprodução aplica-se também ao ensino superior. Veja-se que 78% da população com idade entre os 18 e os 24 anos provém de famílias em que nenhum dos pais tem o ensino superior, mas apenas 61% dos que entram na universidade têm esse tipo de perfil familiar. Além disso, os elevados recursos escolares dos pais tendem a diminuir o tempo necessário para que os seus descendentes concluam o percurso académico. Apesar da recomposição social e das dinâmicas de mobilidade socioeconómica que podem ser identificadas, com maior ou menos intensidade, nos países analisados, estes dados chamam, portanto, a atenção para o fenómeno da reprodução interfamiliar dos recursos educativos.

Outro aspecto em relação ao qual este relatório apresenta informação abundante prende-se com os efeitos que as desigualdades educativas exercem ao nível dos trajetos no mercado de trabalho. Recursos escolares mais elevados tendem a significar taxas de emprego mais elevadas e níveis de desemprego menores, mas também melhores salários. Em termos médios, nos países da OCDE, os trabalhadores com escolaridade superior têm remunerações do trabalho 54% acima dos que não foram além do ensino secundário, enquanto os ganhos destes são 22% mais elevados em relação aos dos que não foram além do ensino básico. Em Portugal, estes valores são de 69% e 25%, respetivamente.

A relação entre o nível de escolaridade e as retribuições do trabalho não é, no entanto, linear. As mulheres são, em geral, mais qualificadas do que os homens, mas ganham em média significativamente menos do que estes.  Nos países da OCDE, as mulheres que concluíram o ensino superior ganham apenas, em termos médios, 74% do auferido pelos homens que têm esses recursos educativos. O país de nascimento tem também influência nas desigualdades remuneratórias: por exemplo, na Estónia, na Nova Zelândia, em Espanha e na Suécia o ganho da população empregada nascida no estrangeiro que não foi além do ensino básico era inferior em mais de 20% em relação ao auferido pela população autóctone com os mesmos recursos escolares.

Frederico Cantante