O Relatório do Desenvolvimento Humano (2019) reconhece que o progresso no sentido da igualdade de género tem abrandado nos anos mais recentes (ver figura 4.3 do relatório). Este facto é justificado por duas ordens de razão: primeiramente, as mulheres revelam um progresso desigual quando comparadas as capacidades básicas e avançadas adquiridas, constatando-se uma maior desigualdade de género nas últimas; e, segundamente, os estereótipos e preconceitos de género, frequentemente, reforçam e explicam estas desigualdades ao basearem-se em crenças sobre o que os outros fazem ou pensam que devem fazer, orientando, assim, ações capazes de restringir o comportamento dos homens e mulheres.

As capacidades básicas referem-se a conquistas relacionadas com subsistência e a participação, como ter acesso e completar a escolaridade básica ou poder votar. As capacidades avançadas envolvem agência e mudança, potenciadoras na alteração dos papéis e relações de género. Um exemplo destas últimas é o acesso a níveis mais elevados de escolaridade. Ilustrando, complementarmente, de acordo com os dados de 2019 do Relatório de Desenvolvimento Humano: ao nível político, constatou-se que capacidades básicas como votar apresentam uma igualdade de género muito acentuada em contrapartida com capacidades mais elevadas, apenas 24% dos lugares parlamentares são ocupados por mulheres; ao nível económico, observa-se que as mulheres representam apenas 21 % dos empregadores mundiais e 12% do top de bilionários.

 

 Índice de Normas Sociais de Género

 

Considerando a importância das normas sociais e dos estereótipos no reforço das identidades de género e na determinação de relações de poder que constrangem as capacidades dos homens e das mulheres, privando a sua plenitude, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP, abreviatura original) criou um novo índice – Normas Sociais de Género (GSNI, abreviatura original), tendo por base os dados do World Values Survey (2005-2009 e 2010- 2014). O objetivo principal é capturar o efeito das crenças sociais na desigualdade de género em múltiplas dimensões, nomeadamente: política, educativa, económica e integridade física (figura 1).

A figura 1 exibe os indicadores que foram selecionados do questionário do World Values Survey e as opções consideradas enquanto definição de preconceito que foram integradas no índice geral. Através dos vários indicadores foram criados índices de dimensões e, por fim, o índex das normas sociais de género. No caso do último foram criados dois: (1) o GNSI que mede a percentagem de pessoas com pelo menos um preconceito, e (2) o GNSI2 que mede a percentagem de indivíduos com pelo menos dois preconceitos.

Salienta-se que este índice integra 75 países, contemplando cerca de 80% da população do mundo, contudo, Portugal não está incluído.

 

 

Figura 1. Definição de preconceito segundo os indicadores multidimensionais que compõem o índice

 

Fonte: 2020 Human Development Perspectives “Tackling Social Norms: A game changer for gender inequalities”, p.8.

 

  

Principais conclusões

 

No conjunto dos 75 países analisados, concluíram que apenas 14% das mulheres e 10% dos homens não possuem preconceitos de género. Ainda como conclusões gerais verifica-se que: (1) os países com maiores preconceitos tendem a registar uma maior desigualdade de género (ver figura 1 da caixa 1 no relatório “Tackling Social Norms”, 2020); (2) os preconceitos são menores na área da educação, cerca de 74% dos indivíduos não possuem estereótipos de género relacionado com a educação; e (3) independentemente da dimensão, as mulheres apresentam menos estereótipos do que os homens.

Um ponto importante de destacar relaciona-se com o facto de existir uma relação entre desenvolvimento humano e preconceitos de género, os países com uma maior percentagem de indivíduos com preconceitos são integrantes dos grupos de baixo e médio desenvolvimento humano, assim como exibem desigualdades de género mais acentuadas.

Analisando detalhadamente as dimensões, constatam-se os seguintes factos:

(1) Ao nível político, cerca de 50% dos indivíduos acham que os homens são melhoreslíderes políticos, de acordo com o relatório. Os países com mais preconceitos ao nível político são: o Catar (91,56%), a Jordânia (91,17%), a Palestina (89,30%), o Iraque (88,33%) e o Kuwait (88,10%). Inversamente está a Andorra (14,08%), a Suécia (16,05%), %), a Noruega (19,51%) a Holanda (21,29%) e a Finlândia (24,58%).

(2) Ao nível educativo, os países que consideram que a universidade é mais importante para os homens do que para as mulheres são: o Haiti (59,91%), o Irão (55,42%), o Paquistão (51.11%) e Mali (47,61%). Com menos preconceitos estão: a Andorra (1,81%), a Suécia (2,61%), a Noruega (3,71%), a Austrália (4,09%) e a Holanda (4,63%).

(3) Ao nível económico, de acordo com os dados detalhados do relatório, cerca 40% dos indivíduos consideram que os homens são melhores executivos e, aproximadamente, 50% dos homens acreditam que os homens têm mais direito a um trabalho do que as mulheres. Os países com mais preconceitos ao nível económico são: o Azerbaijão (91,97%), o Paquistão (91,02%), a Jordânia (89,42%), o Irão (88,86%) e Mali (88,87%). Repetindo a tendência, com menos preconceitos estão países elevado desenvolvimento humano: a Andorra (8,73%), a Suécia (9,16%), a Holanda (13,56%), os Estados Unidos da América (14,81%) e a Nova Zelândia (16,65%).

(4) Ao nível da integridade física, quase 30% dos indivíduos concordaram que é justificável um homem bater no seu parceiro. Os países que apresentam mais preconceitos desta dimensão são: a Ruanda (97,64%), o Zimbabué (96,27%), o Paquistão (93,75%), a Nigéria (92,78%), a Líbia (92,15%), a Indonésia (90,55%) e o Ghana (90,73%). Esta dimensão é a que apresenta uma maior percentagem de preconceitos face à população de cada país. Com um valor menor de preconceitos destacam-se:  a Andorra (12,01%), a Suécia (14,13%), a Noruega (16,78%), a Austrália (20,93%) e a Holanda (22,03%).

Analisando o progresso de 31 países, selecionados por corresponderem aos únicos que tem informação em ambos os períodos de aplicação do inquérito, (2005-2009 | 2010-2014) verifica-se que houve um aumento dos preconceitos de género em 15 destes. Por um lado, os homens no Chile, na Austrália, nos EUA e na Holanda registaram uma diminuição dos preconceitos e, por outro lado, aumentaram na Suécia, na Alemanha, na Índia e no México. Correspondentemente, no caso das mulheres, a tendência é semelhante, mantêm-se os países onde houve um progresso e na Suécia, na índia, na África do Sul e na Roménia intensificaram-se os preconceitos.

Considerando ainda a população geral destes 31 países, constatou-se que os preconceitos aumentaram em todas dimensões, excetuando na educativa: política (54,24% – 56,20%), económica (53,43% – 53,82%), educativa (24,26% – 24,19%), integridade física (68,71% – 69,40%). Complementarmente, no geral, houve um aumento das pessoas com pelo menos um (GNSI) e dois (GNSI2) preconceitos, respetivamente, 86,46% para 87,28% e 63,55% para 65,38%.  Desagrupando por sexo, verifica-se que a percentagem de indivíduos sem preconceitos diminuiu em ambos: feminino (16,62% – 15,39%) e masculino (10,65% – 10,10%).

 

 

Links para os relatórios

http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2019.pdf

http://hdr.undp.org/sites/default/files/hd_perspectives_gsni.pdf

 

 

Elaborado por Ana Filipa Cândido

 

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