O Índice de Desenvolvimento de Género (GDI) e o Índice de Desigualdade de Género (GII) são os índices propostos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para avaliar a posição da mulher na sociedade. No entanto, estes dão-nos informações bastante distintas sobre as desigualdades de género: por um lado, o GDI serve-se dos mesmos componentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – longevidade, escolaridade e rendimento –, revelando se as conquistas de desenvolvimento humano se encontram distribuídas pelos dois géneros (ou seja, mostra o rácio das mulheres sobre os homens); por outro lado, o GII serve-se de componentes distintos – saúde reprodutiva, participação no mercado de trabalho e empoderamento –, formando um índice idealmente focado nas desigualdades de género, com maior atenção para o lado feminino.

 

O GDI não é propriamente um medidor das desigualdades de género, mas antes uma referência sobre a desvantagem (ou vantagem) das mulheres nas componentes do IDH. Como é um rácio, quanto mais próximo de 1 for o resultado, mais equilibrada a situação entre homens e mulheres se encontra, revelando não existir, por isso, grandes variações nos resultados do IDH para ambos os géneros; contrariamente, quanto mais próximo de 0, mais desequilibrados são os resultados do IDH entre homem e mulher.

 

Quadro 1 - Índice de Desenvolvimento de Género (GDI) (2021)

wdt_ID Países GDI
1 Barbados 1,034
2 Mongólia 1,031
3 Lituânia 1,03
4 Letónia 1,025
5 Uruguai 1,022
6 Estónia 1,021
7 Qatar 1,019
8 Panamá 1,017
9 Rússia 1,016
10 Repúlica Dominicana 1,014
Países GDI

Nota: *RAE- Região Administrativa Especial

Fonte: Human Development Report 2020 (PNUD)

 

Contrariamente ao ano de 2019, no qual, o único país do mundo que apresentava um resultado “perfeito” (1,000) era a Ucrânia, em 2021 não existe nenhum que se destaque com um valor “exemplar”. Ainda assim, existem muitos países que se aproximam deste valor – EUA (1,001), Arménia (1,001), Eslovénia (0,999) e Eslováquia (0,999), entre outros. Constata-se também que as mulheres se encontram numa posição vantajosa (+1,000) relativamente aos homens em pelo menos 20 países da lista. Por sua vez, os países que continuam com os resultados menos satisfatórios são o Iémen (0,496) e o Afeganistão (0,681), o que significa que as mulheres estão muito atrás em termos de desenvolvimento humano nestes territórios. Efetivamente, os valores apresentados nestes dois países pioraram em relação a 2019, devido à vaga pandémica Covid-19, que veio agravar as desigualdades de género.

 

Quadro 2 - Índice de Desenvolvimento de Género (GDI) por categorias (2021)

wdt_ID Categorias GDI
1 Grupos de IDH
2 IDH muito elevado 0,986
3 IDH elevado 0,973
4 IDH médio 0,88
5 IDH baixo 0,864
7 Regiões
8 OCDE 0,985
9 Estados Árabes 0,871
10 Ásia do Leste e Pacífico 0,978
11 Europa e Ásia Central 0,961
12 América Latina e Caraíbas 0,986
13 Ásia do Sul 0,852
15 África Subsariana 0,907
16 Média Mundial 0,958
Categorias GDI

Fonte: Human Development Report 2020 (PNUD)

 

Tendo em conta a média mundial (0,958), pode-se concluir que, embora as mulheres ainda estejam em desvantagem relativamente aos homens, os ganhos de desenvolvimento humano estão a ser distribuídos globalmente de forma quase equitativa. Se tivermos em conta as regiões do mundo, observa-se que a Ásia do Sul (0,852) é a que tem um menor desenvolvimento de género, enquanto que a América Latina e as Caraíbas (0,986) apresentam o melhor resultado neste índice. Relativamente às categorias por nível de IDH, concluiu-se que o grupo de países com IDH Muito Elevado (0,986) atingiu o melhor resultado no GDI, sendo seguido pelo grupo de países com IDH Elevado (0,973). Comparativamente a 2019, o IDH Médio (0,880) aumentou o seu resultado face ao IDH baixo (0,864), que detém o pior resultado no GDI.

 

Quadro 3 - Índice de Desigualdade de Género (GII) (2021)

wdt_ID Países GII
1 Dinamarca 0,013
2 Noruega 0,016
3 Suíça 0,018
4 Suécia 0,023
5 Países Baixos 0,025
6 Finlândia 0,033
7 Singapura 0,04
8 Islândia 0,043
9 Luxemburgo 0,044
10 Bélgica 0,048
Países GII

Fonte: Human Development Report 2020 (PNUD)

 

O PNUD procurou ir para além do GDI e formar um índice focado nas desigualdades de género através de indicadores em que a mulher, geralmente, encontra-se em desvantagem – daí que os resultados do GII mostrem mais variações. A lógica do GII é oposta à do GDI: quanto mais próximo de 0 forem os resultados, menos são as desigualdades de género num determinado território.

À semelhança do GDI, não existe um país no ano de 2021 que atinja o resultado “perfeito” (0,000), embora haja alguns que estejam bastante próximos – Dinamarca (0,013), Noruega (0,016), Suíça (0,018), entre outros. Por outro lado, identificamos países cujos resultados se encontram distantes do 0, mostrando sociedades em que as mulheres estão em desvantagem – Iémen (0,820), Papua Nova Guiné (0,725) e Nigéria (0,680), entre outros.

Evidencia-se na Papua Nova Guiné que cerca de 60% das mulheres são vítimas de violência sexual e doméstica (UN News: Global perspective Human stories, 2021), sendo violadas e agredidas ao longo da vida, algo que é “normal” no país. Um homem pode bater na sua mulher, alegando que tal prática serve para que esta obedeça-lhe e adote o seu estilo de vida. No país, existe inclusive um grupo denominado “Raskols” que abusa sexualmente das mulheres, sendo encarado como um ritual de iniciação para os novos membros do gangue. Ainda que se tenha aprovado a Lei de Proteção Familiar, que pune os criminosos com penas de prisão até 2 anos de modo a proteger as mulheres, parece que ainda não produziu uma mudança significativa no país, devido à falta de compreensão por parte da população quanto ao vínculo entre assuntos criminais e civis, e à clareza sobre como se inicia o processo (Australian Aid to Pacific Women: Shaping Pacific Development, 2021).

No Iémen, a marginalização e a falta de direitos das mulheres marca o quotidiano do país. Apesar do país ter aderido à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres em 1984, as leis iemenitas continuam a desfavorecer o sexo feminino. Consideradas como sendo posse e objeto do marido, as iemenitas são muitas vezes vendidas pelos seus pais antes dos quinze anos para casarem com homens muito mais velhos e começarem a ter filhos, pelo que, dificilmente, frequentarão escolas e universidades. Privadas de qualquer apoio hospitalar, porque só podem ser vistas por mulheres médicas, o que com a taxa de iliteracia feminina a ultrapassar os 70% é difícil de conseguir, morrem com problemas decorrentes da gravidez ou do parto, pelo que a falta de métodos contracetivos no país é uma realidade (Diário de Notícias, 2011). Relativamente à representação política, ainda que a Conferência de Diálogo Nacional tenha definido uma quota mínima de 30% para a participação das mulheres na vida política do país (UN Yemen Common Country Analysis, 2021), não há mulheres no Parlamento (Inter-Parliamentary Union, 2021), e no que toca às condições de trabalho, existe um enorme fosso no salário pago a homens e a mulheres. A ativista dos direitos humanos iemenita Tawakel Karman chamou a atenção para a condição feminina no seu país. Apesar das restrições vigentes e tendo sido presa pelo menos duas vezes, conseguiu algumas (grandes) mudanças numa sociedade em que as inovações não são bem-vistas. Uma das suas primeiras iniciativas foi deixar de usar o niqab e as luvas para andar de cara destapada, cobrindo a cabeça apenas com um lenço colorido, numa atitude que pretende mostrar que “é possível alterar costumes antigos” (Diário de Notícias, 2011). Ainda assim, o Iémen tem um longo caminho para percorrer no que toca à igualdade de género, no entanto, este percurso deverá demorar muitos anos a ser retomado, devido ao foco na Guerra Civil que tem servido de palco para a maior Crise Humanitária do Mundo desde 2014.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou os governos de todo o mundo que, no atual ritmo, a igualdade entre homens e mulheres terá de esperar mais três séculos para ocorrer: “A igualdade de género está-se a distanciar cada vez mais. No caminho atual, a ONU Mulheres coloca-a a 300 anos de distância” (Discurso de António Guterres visível na CNN Portugal, 2023). “Os direitos das mulheres estão a ser abusados, ameaçados e violados em todo o mundo”, insistiu (Discurso de António Guterres visível na CNN Portugal, 2023). Considera que a pandemia fez com que índices de mortalidade materna, meninas expulsas da escola e forçadas a casar precocemente sofressem uma expansão inédita, apagando décadas de avanços para a igualdade de género. Para o secretário-geral da ONU, “é hora de construir um futuro igualitário” e “este é um trabalho de todos e para benefício de todos” (UN News: Global perspective Human stories, 2021).

 

Quadro 4 - Índice de Desigualdade de Género (GII) por categorias (2021)

wdt_ID Categorias GII
1 Grupos de IDH
2 IDH muito elevado 0,155
3 IDH elevado 0,329
4 IDH médio 0,494
5 IDH baixo 0,577
7 Regiões
8 OCDE 0,185
9 Estados Árabes 0,536
10 Ásia do Leste e Pacífico 0,337
11 Europa e Ásia Central 0,227
12 América Latina e Caraíbas 0,381
13 Ásia do Sul 0,508
15 África Subsariana 0,569
16 Média Mundial 0,465
Categorias GII

Fonte: Human Development Report 2020 (PNUD)

 

Quando se tem em conta a média mundial (0,465), é notável que a situação feminina está bastante abaixo da masculina. Em termos geográficos, a OCDE (0,185) é a região com o melhor resultado neste indicador, enquanto que a África Subsariana (0,569) apresenta o resultado menos satisfatório. Relativamente às categorias por nível de IDH, constatamos, ao contrário do revelado pelo GDI, que quanto maior o nível de IDH, menores são as desigualdades de género – existe uma preocupante distância entre o grupo de países com IDH muito elevado (0,155) e os com IDH baixo (0,577).

 

Evolução do GDI e do GII em Portugal

No primeiro cálculo do GDI em 1995, Portugal já assegurava um bom resultado, alcançando 0,979, que evoluiu para 0,994 em 2021. Constata-se, assim, que os ganhos do desenvolvimento humano se encontram distribuídos de forma quase equitativa por ambos os géneros.

 

Fonte: Human Development Report 2020 (PNUD)

 

Quando nos viramos para o GII, a evolução é mais impressionante. Em 26 anos, Portugal evolui de 0,224, em 1995, para 0,067, em 2021, estando na lista dos países com melhores resultados no índice.

 

Fonte: Human Development Report 2020 (PNUD)

 

Efetivamente, Portugal tem alcançado progressos no combate à desigualdade de género, em matérias ligadas à educação (a instrução no ensino superior está a aumentar, tanto nas mulheres como nos homens), à tomada de decisões económicas (a presença de mulheres no conselho de administração do banco de Portugal aumentou, bem como nos conselhos de administração das maiores empresas cotadas), e ao equilíbrio de género na tomada de decisões políticas (a quota de mulheres entre ministros e membros do parlamento aumentou – Portugal tem cerca de 37% de mulheres representadas no parlamento) – (Inter-Parliamentary Union, 2021). Deste modo, pode-se afirmar que os fatores culturais (culturas mais igualitárias tendem a ser consideradas mais propensas a aumentar o número de mulheres na política) e os fatores institucionais (tipos de sistemas eleitorais – sistemas de representação proporcional, quotas de género e partidos políticos – ideologia, procedimentos de seleção e recrutamento de candidatos) explicam o número de mulheres envolvidas na vida política.

Todavia, persistem algumas desigualdades de género relativamente à concentração desigual de mulheres e homens numa área de estudo (evidenciam-se mais mulheres do que homens a estudar educação básica, saúde e assistência social, ou humanidades e artes), à situação financeira (as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens – entre as pessoas com níveis de educação baixo, médio e elevado, as mulheres recebem 28%, 30% ou 25% menos do que os homens, respetivamente), e ao  trabalho doméstico não remunerado e prestação de cuidados (existem mais mulheres a desempenhar tarefas domésticas comparativamente com os homens) – (EIGE, 2021).

 

Refeito em 2023 por Maria Francisca Botelho

Atualizado por Tânia Liberato

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