Risco de pobreza em Portugal em 2020 aumentou para 18,4%, invertendo a tendência de diminuição verificada desde 2013
Segundo o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, que respeita aos rendimentos de 2020, 18,4% da população estava em risco de pobreza, invertendo a tendência de diminuição que se verificava desde 2013, com mais 2,2 pontos percentuais (p.p.) relativamente a 2019.
Ao analisar a taxa de risco de pobreza por grupos etários, constata-se que contrariamente aos anos anteriores, em que existia aumentos e diminuições consoante o grupo etário (entre 2017 e 2018 diminuiu nos menores de 18 anos e nos 65 ou mais anos e aumentou para a população adulta em idade ativa (dos 18 aos 64 anos) e entre 2018 e 2019 aumentou nos menores de 18 anos e nos 65 ou mais anos e diminuiu na população adulta em idade ativa), entre 2019 e 2020 aumentou em todos os grupos etários, com maior destaque para a população com 65 ou mais anos (mais 2,6 p.p.) e adulta em idade ativa (mais 2,3 p.p.), tendo os menores de 18 anos aumentado 1,3 p.p.
As mulheres mantêm um risco de pobreza mais elevado que os homens, tendo aumentado em ambos comparativamente a 2019, no caso dos homens de 15,6% para 17,5% (mais 1,9 p.p.) e no caso das mulheres de 16,7% para 19,2% (mais 2,5 p.p.).
Relativamente à condição perante o trabalho, e à semelhança do sucedido consoante os grupos etários, nos outros anos verificaram-se aumentos e diminuições consoante a categoria em causa, enquanto que entre 2019 e 2020 o risco de pobreza aumentou em todas as categorias. De facto, o risco de pobreza aumentou 5,8 p.p. entre a população desempregada (atingindo os 46,5% em 2020), aumentou 2,3 p.p. entre os reformados (obtendo 18% em 2020), 1,9 p.p. entre outros inativos (tendo 30,8% em 2020) e 1,6 p.p. entre os empregados (com 11,2% em 2020).
Ao se analisar a composição do agregado familiar, constata-se que a presença de crianças no agregado é um fator de aumento do risco de pobreza e que um número elevado de crianças no agregado corresponde a maior agravamento da taxa, sendo de evidenciar que o hiato entre agregados com e sem crianças dependentes era de 1,7 p.p. em 2017, 2,1 p.p em 2018, 1,6 p.p. em 2019 e em 2020 aumenta para 2,5 p.p..
Entre 2019 e 2020, o risco de pobreza aumentou 1,8 p.p. nos agregados sem crianças dependentes e 2,7 p.p. nos agregados com crianças dependentes, sendo de notar as taxas de risco de pobreza dos agregados familiares compostos por um adulto e pelo menos uma criança (em 2020 30,2%, com um aumento de cerca de 4,7 p.p. relativamente a 2019), dos agregados constituídos por dois adultos e três ou mais crianças (em 2020 29,4%, com uma diminuição de cerca de 10,4 p.p. relativamente a 2019), dos outros agregados com crianças (em 2020 26,3%, aumentando 8,7 p.p. relativamente a 2019) e dos agregados constituídos por 1 adulto sem crianças (em 2020 24,2%, com mais 0,1 p.p. que em 2019).
Constata-se que as Regiões Autónomas da Madeira (RAM) (24,2%) e dos Açores (RAA) (21,9%) continuam a ser as regiões das NUTS II que apresentam as mais elevadas taxas de risco de pobreza, embora tenham diminuído relativamente a 2019 (menos 2,1 p.p. no caso da RAM e menos 6,6 p.p. na RAA), sendo a Área Metropolitana de Lisboa (AML) (12,8%) e o Alentejo (17,1%) as únicas que se encontram abaixo do valor nacional. Contrariamente às regiões autónomas, em todas as outras regiões aumentou a taxa de risco de pobreza comparativamente a 2019, sendo os principais aumentos verificados no Algarve (mais 3,9 p.p.), no Centro (mais 3,3 p.p.) e no Norte (mais 3 p.p.).
Se se tiver em atenção o fator das transferências sociais, é de notar que antes de qualquer transferência social (e, portanto, tendo apenas em consideração os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas), a taxa de risco de pobreza em 2020 é de 43,5%, passando para 23% após transferências relativas a pensões de reforma e sobrevivência e para 18,4% após as restantes transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social. Assim, considerando todas as transferências sociais, verifica-se que estas contribuem para a redução de 25,1 p.p. da taxa de risco de pobreza em Portugal, sendo que as transferências relativas a pensões de reforma e sobrevivência são as mais significativas, que correspondem a uma redução de 20,5 p.p. e as transferências sociais correspondem a uma redução da taxa de cerca de 4,6 p.p..
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento incorpora três medidas de desigualdade, de forma a analisar como esta evolui em Portugal, sendo elas o rácio S80/20, o rácio S90/10 e o Coeficiente de Gini.
O Coeficiente de Gini em Portugal situa-se nos 33% em 2020, invertendo a tendência de diminuição registada desde 2013 e aumentando 1,8 p.p. relativamente a 2019. De destacar o valor apurado para o Centro, NUT II mais elevada do país, com 33,3%, seguida da Região Autónoma dos Açores (RAA), com 33%, e da Área Metropolitana de Lisboa, com 32,7%. De notar que a média nacional do Coeficiente de Gini é de 33%, sendo que o Centro e a Região Autónoma dos Açores são as únicas regiões que ultrapassam a média (no caso da RAA, iguala o valor, de 33%). O Alentejo é a região com uma distribuição de rendimentos menos desigual (30,8%).
O rácio S80/20 foi em 2020 de 5,7, invertendo a diminuição que vinha acontecendo desde 2013 (embora em 2018 e 2017 se tenha apurado o mesmo valor, 5,2). O rácio S90/10 assinalou em 2020 o valor de 9,8, aumentando 21% face ao ano anterior.
Outro indicador explorado pelo Inquérito às Condições de Vida e Rendimento é a intensidade laboral per capita muito reduzida, que a partir deste ano, em função da estratégia económica de crescimento da União Europeia para a próxima década, designada estratégia Europa 2030, passa a ser calculado de forma diferente. Em vez de abranger a percentagem de população com menos de 60 anos que vive em agregados familiares em que a população adulta (excluindo estudantes) trabalhou em média menos de 20% do tempo de trabalho disponível, passa a abranger a percentagem da população com menos de 65 anos que vive em agregados familiares em que a população adulta referiu ter trabalhado em, em média, menos 20% do tempo trabalho possível, excluindo estudantes dos 18 aos 24 anos, reformados e/ou pensionistas de velhice ou invalidez e pessoas inativas com 60-64 anos que vivem em agregados cuja principal fonte de rendimento são pensões.
Em 2020, Portugal apresentou uma intensidade laboral per capita muito reduzida de 5,2%, invertendo a reta descendente apresentada desde 2013 (com um aumento de 0,2 p.p. face a 2019). Quando se analisa o indicador por NUTS II, é de assinalar o elevado valor da Região Autónoma da Madeira (6,6%), do Algarve (6,3%) e do Norte (6%) que, juntamente com a Região Autónoma dos Açores (5,6%), configuram as NUTS II que se encontram acima da média nacional.
A estratégia Europa 2030 define o indicador de privação material e social, substituindo o de privação material. Este indicador baseia-se num conjunto de treze itens relativos às necessidades sociais e económicas e de bens duráveis nas famílias, acrescentando relativamente ao indicador da privação material aspetos relacionados com o bem-estar do indivíduo e com o lazer e a interação social, havendo sete itens relativas à família como um todo e seis ao nível individual.
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento disponibiliza dois indicadores: privação material e social e privação material e social severa, sendo considerado que alguém está em situação de privação material e social quando não tem acesso a pelo menos cinco de treze itens considerados carências forçadas verificadas no contexto dos agregados familiares (que se poderão encontrar detalhadamente no glossário).
Em 2021 (os indicadores da privação material e social referem-se ao ano de aplicação do inquérito e não ao ano de referência dos rendimentos), a taxa de privação material e social foi de 13,5% e a taxa de privação material e social severa foi de 6%, invertendo em ambas a tendência de diminuição verificada nos últimos anos.
Relativamente à taxa de privação material e social severa por NUTS II, é a Região Autónoma da Madeira que apresenta taxas mais elevadas (8,9%, com uma diminuição de cerca de 2,4 p.p. comparativamente a 2020), seguida da Região Autónoma dos Açores (8,7%, com uma diminuição de cerca de 4,3 p.p.), do Norte (7,4%, com um aumento de 1,8 p.p.) e do Algarve (6,1%, com uma diminuição de cerca de 3,5 p.p.), sendo estas as regiões que se encontram acima da média nacional (6%). Abaixo da média nacional encontram-se a Área Metropolitana de Lisboa (5,3%, com um aumento de cerca de 1,2 p.p.), o Centro (4,6%, com uma diminuição de cerca de 0,2 p.p.) e o Alentejo (4,5%, com uma diminuição de 0,2 p.p.).
Ao se analisar a distribuição da população residente por itens de privação material e social em falta, destacam-se as pessoas que vivem em agregados sem possibilidade de substituição do mobiliário usado (37,9%), as pessoas que vivem em agregados sem capacidade para pagar uma semana de férias por ano fora de casa, suportando a despesa de alojamento e viagem para todos os membros do agregado (36,6%), as pessoas que vivem em agregados sem capacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada de 540 euros (que corresponde aproximadamente ao valor mensal da linha de pobreza do ano anterior) sem recorrer a empréstimo (31,1%) e as pessoas que vivem em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida (16,4%). No entanto, os valores para estes quatro itens diminuíram de 2020 para 2021.
As mulheres são as que apresentam uma taxa de privação material e social mais elevada (14,6% em 2021, face a 12,3% nos homens), tendo aumentado em ambos comparativamente com o ano anterior. Relativamente ao grupo etário, a taxa de privação material e social incide com maior impacto na população com 65 ou mais anos (17,6%, mais 0,7 p.p. que em 2020), seguido da população em idade ativa, dos 18 aos 64 anos (12,8%, mais 1,2 p.p. que em 2020). A população com menos de 18 anos apresentou em 2021 uma taxa de privação material e social de 10,6%, menos 0,8 p.p. que o ano anterior).
Por fim, a taxa de risco de pobreza ou exclusão social (também recalculada consoante a estratégia Europa 2030, substituindo a intensidade laboral per capita muito reduzida pelo novo cálculo e a privação material severa pela privação material e social severa), que inclui assim os indivíduos em risco de pobreza ou vivendo em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa, em 2021, apresentava 2.302 milhares de pessoas nesta situação, correspondente a 22,4% da população, mais 0,4 p.p. que o ano anterior. Quando se analisa este indicador por NUTS II, é de salientar os valores da Região Autónoma da Madeira (28,9%, menos 3,9 p.p. que em 2020) e da Região Autónoma dos Açores (27,7%, menos 5,6 p.p. que no ano anterior). À exceção da Área Metropolitana de Lisboa (16,9%, mais 2,2, p.p. que em 2020) e do Alentejo (20,3%, mais 0,8 p.p. que em 2020), todas as regiões apresentam valores superiores à média nacional (o Centro com 22,6 %, mais 2,3 p.p. que em 2020; o Algarve com 25,4%, mais 1,9 p.p. que em 2020; e o Norte, com 25,8%, mais 4 p.p. que em 2020).
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento refere-se aos rendimentos de 2020, primeiro ano afetado pelas condições sociais e económicas da crise pandémica da Covid-19. Nesse sentido, foram recolhidos alguns dados sobre o impacto da pandemia especificamente, que concluíram que entre maio e setembro de 2021, 16,4% das famílias referiam que tinha existido uma redução do rendimento familiar nos últimos doze meses (comparativamente com 10,3% em 2019) e 27,5% desses indicaram como motivo a pandemia Covid-19.
Cerca de 5% das famílias referiram ter recebido apoios monetários do Estado em 2020, no âmbito do combate aos efeitos da pandemia Covid-19, relacionados com o emprego dos trabalhadores por conta de outrem. Além disso, 2,9% das famílias receberam apoios relacionados com o trabalho por conta própria e 2,4% das famílias receberam apoios monetários relacionados com a família, as crianças e a habitação.
Elaborado por Inês Tavares