A pobreza de aprendizagem é expectável que aumente até 70% em países de baixo e médio rendimento, como consequência da pandemia Covid-19 e do funcionamento parcial dos sistemas educativos.

De acordo com o relatório mais recente do Banco Mundial The state of the global education crisis: A path to recovery, os efeitos da pandemia da Covid-19 na área da educação refletem-se em perdas de aprendizagem significativas que terão implicações futuras noutras esferas sociais, inclusive o atraso e retrocesso dos níveis de aprendizagens dos jovens e crianças.

O relatório apresenta dados sobre a gravidade das perdas de aprendizagem durante o encerramento das escolas e traça uma rota para ultrapassar a crise educativa global em direção a sistemas educacionais mais eficazes, equitativos e resilientes. Os dados apresentados consistem em simulações atualizadas e nas últimas evidências documentadas sobre a perda de aprendizagem em 28 países, predominantemente de baixo e médio rendimento. Estas simulações têm por base um cenário pessimista por duas ordens de razão: (i) não há evidências confiáveis de que a aprendizagem não-presencial ou à distância durante a pandemia tenha efetivamente mitigado as perdas de aprendizagem na maioria dos países; e (ii) a maioria das evidências relativas aos países de rendimento médio sugerem que a reabertura parcial da escola beneficiou uma proporção não significante dos estudantes, em consequência das: diferentes estratégias adoptadas pelos países; desiguais recursos dos alunos para dar conta dessas estratégias (particularmente nos contextos de ensino não-presencial); e, ainda, devido aos surtos nas escolas e casos de infeção que impossibilitaram muitos alunos de estar presentes nas aulas e, e em alguns casos, a interrupção intermitente das escolas. Em suma, na reabertura parcial das escolas mantiveram-se muitas dificuldades.

As perdas de aprendizagem são o foco do relatório, sendo estas entendidas como “qualquer perda de conhecimento ou skills e/ou desaceleração de ou interrupção do progresso académico, normalmente devido a lacunas exacerbadas ou descontinuidades na educação de um aluno” (pp. 11). São dois os principais tipos de perdas de aprendizagem: “esquecimento”, que se refere à perda de aprendizagens adquiridas previamente, e “abandono” de aprendizagem, que é quando uma aprendizagem expectável não ocorre, designadamente, por as escolas estarem fechadas para a aprendizagem presencial.

Neste sentido, no plano da perda de aprendizagem, além do esquecimento e abandono de algumas aprendizagens, perdas adicionais podem acumular-se mesmo depois dos alunos regressarem à escola. As simulações globais mais recentes demonstram perdas de aprendizagem maiores que o esperado. Destacam as seguintes tendências:

  • A pobreza de aprendizagem é expectável que aumente até 70% em países de baixo e médio rendimento, no pior cenário;
  • Mudança na distribuição das perdas de aprendizagem por grupos de rendimento: é expectável que os países de rendimento médio apresentem maiores perdas de aprendizagem do que os países de rendimento elevado ou baixo, porque o fecho das escolas foi mais longo nos primeiros. Contudo, mesmo em países de rendimento elevado, capazes de organizar rapidamente a aprendizagem online ou não-presencial, as perdas de aprendizagem parecem substanciais.
  • São poucos os países sem perdas de aprendizagem, ou até ganhos (Uruguai, Uganda, Austrália). As regiões com maiores perdas de aprendizagem foram o Sul da Ásia, na América Latina e nas Caraíbas, onde as crianças falharam ou perderam o triplo da educação das crianças na Europa Ocidental.
  • Complementarmente, as evidências de alguns países sugerem que, em média, as perdas de aprendizagem são aproximadamente proporcionais à duração do encerramento das escolas.
  • Em países de rendimento baixo e médio, a proporção de crianças que sofrem de pobreza de aprendizagem — que já superava 50% antes da pandemia— aumentará drasticamente, possivelmente até 70%, devido aos longos períodos de fecho das escolas e à qualidade e eficácia variáveis do ensino à distância.
  • Os impactos da aprendizagem parecem variar de acordo com a disciplina, sendo registadas maiores perdas em matemática do que em leitura.

Estas perdas de aprendizagem são variáveis e dependem de outras dinâmicas de desigualdade que colocam em desvantagem alunos com determinadas características:

  • Desigualdade de recursos e conectividade no ensino não-presencial ou à distância: 463 milhões de crianças não conseguem dar resposta a este tipo de ensino. Deste universo, três em cada quatro alunos são de áreas rurais e/ou famílias pobres (ou desfavorecidas socialmente). As desigualdades digitais entre as regiões urbanas e rurais eram maiores na África Oriental e Meridional, no Leste Asiático e no Pacífico, na América Latina e nas Caraíbas.
  • Os países com períodos mais longos de encerramento de escolas tendem a ter taxas mais baixas de crianças em idade escolar com conexão à internet em casa, o que afeta o acesso ao ensino à distância, principalmente se outras modalidades não estiverem acessíveis.
  • Devido às desigualdades de conectividade e recursos para o ensino não-presencial, foram utilizadas outras modalidades de aprendizagem, ainda que o acesso varie consideravelmente entre os países e dentro de cada um. Muitos países de rendimento baixo usaram meios de comunicação mais tradicionais, como televisão e rádio, mas a falta de acesso a estes meios, especialmente em regiões rurais, (re)produz as desigualdades entre regiões e outras que se relacionam com estas, como o acesso à educação.
  • Alguns grupos de estudantes foram mais afetados por apresentarem à partida maior vulnerabilidade:
  • Os alunos com deficiência enfrentaram mais barreiras para se envolverem na aprendizagem não-presencial ou à distância (apenas 33% dos países de baixo rendimento tomaram medidas de apoio a estes alunos).;
  • Os alunos de sexo feminino também estiveram tendencialmente mais expostos a efeitos de desigualdade na medida em que lhes era mais reduzido o acesso a dispositivos eletrónicos e internet, assim como menores conhecimentos de TIC.
  • Os estudantes mais jovens enfrentaram uma dupla desvantagem: a educação pré-primária foi a menos priorizada na reabertura – um em cada cinco países de rendimentos baixo e médio reportaram ter mais de 75% do estudantes pré-primária em aprendizagem não-presencial; a falta de recursos – apenas 60% dos países indicaram ter opções digitais e de transmissão para os estudantes da pré-primária, comparando com 95% nos ensinos primário e secundário.
  • Jovens de backgrounds desfavorecidos social e culturalmente: os pais com menos qualificações e menos recursos financeiros enfrentaram e enfrentam desafios adicionais no apoio aos filhos durante a educação não-presencial, seja pela falta de conhecimentos, como pela falta de recursos para adquirir os instrumentos adequados ao ensino não-presencial e à distância.

Por fim, o relatório evidencia algumas desigualdades e problemas que foram exacerbados pela pandemia:

  • Muitas crianças podem nunca mais voltar à escola no pós-crise: aumento do abandono e aumento da taxa de reprovação.
  • As escolas proporcionam recursos, além dos educativos, importantes no bem-estar dos jovens e crianças, que são colocados em causa com o seu fechamento: refeição diária que, em alguns casos, é a única fonte diária e segura de alimento e nutrição, ou, em alguns países, a oferta de vacinação e outros serviços de saúde essenciais, entre outros.
  • A saúde mental dos jovens tornou-se uma crise dentro da crise, principalmente no caso dos jovens das regiões mais rurais.
  • O encerramento das escolas propiciou o aumento da violência contra as crianças e mulheres, tornou-se mais complicado detetar estes casos e foram menos reportados.
  • O crescimento dos níveis de pobreza contribui para o aumento das crianças em trabalho infantil.
  • Por último, a reversão de décadas de progresso na igualdade de género: particularmente, o aumento dos casamentos precoces, para compensar dificuldades económicas, e o aumento do abandono e desistência escolar.

Elaborado por Ana Filipa Cândido

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