Recensão por: Maria Francisca Botelho

 

 

ILO and UNICEF (2023); More than a billion reasons: The urgent need to build universal social protection for children. Second ILO–UNICEF Joint Report on Social Protection for Children. Geneva and New York.

 

Novo relatório conjunto entre a Organização Mundial do Trabalho (OIT) e o Fundo das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF) descreve o impacto devastador da ausência de proteção social na infância.

Aproximadamente quatro anos após a divulgação do primeiro relatório conjunto OIT-UNICEF sobre a proteção social, o More than a billion reasons: The urgent need to build universial social protection for children fornece uma visão global mais recente respetivamente ao desenvolvimento dos sistemas de proteção social para as crianças, e o impacto que a pandemia Covid-19 teve nestes. Efetivamente, cerca de 1,77 mil milhões de crianças não têm acesso a apoios sociais, desde subsídios a abonos familiares, um pilar fundamental de qualquer sistema de proteção social. Deste modo, das 1,77 mil milhões de crianças, 1 mil milhão enfrenta pobreza multidimensional, que durante a pandemia registou um aumento de 15%, enquanto as restantes 770 milhões sobrevivem abaixo da linha de pobreza extrema, isto é, subsistem com menos de US $1,90 (PPC[1]) por dia, pelo que se pode afirmar que as crianças constituem um grupo extremamente vulnerável comparado com os adultos, por terem mais chances de viverem em pobreza extrema.

Comparativamente a qualquer outra publicação das Nações Unidas, pode-se afirmar que este relatório é bastante abundante ao nível de informação estatística, fornecendo um amplo conjunto de dados estatísticos nacionais, regionais e globais de tendências comparáveis relativamente a estudos de caso sobre cobertura de proteção social, ou seja, benefícios e gastos públicos em assistência social por país. Deste modo, o relatório inclui acesso a tabelas estatísticas muito abrangentes, englobando os dados mais recentes quanto à proteção social, detalhando dados de vários países como o Brasil e os EUA, visando alcançar a Agenda 2030 e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

De acordo com o relatório, os benefícios sociais destinados às crianças e às suas respetivas famílias foram introduzidos durante a pandemia Covid-19, no entanto, estes diminuíram ou estagnaram à medida que a sua fase crítica foi passando, perpetuando as necessidades acrescidas das crianças e das suas famílias em regiões como a América Latina e o Caribe (42%), a Ásia Ocidental e o Norte de África (28%), a Ásia Central e o Sul da Ásia (21%), a Ásia Oriental e o Sudeste Asiático (14%), e a África Subsariana (11%). Evidentemente, a pandemia mostrou que a proteção social era uma solução viável e rápida em tempos de crise, uma vez que a maioria dos governos não tardou em implementar novos programas de proteção social ou em adaptar os existentes, visando apoiar as crianças e as suas respetivas famílias. Todavia, passada a vaga pandémica, a maioria não continuou a elaborar reformas que tivessem um carácter permanente de modo a fazer face a eventos futuros. Desta maneira, o relatório enfatiza que todos os países, independentemente do seu nível de desenvolvimento, têm uma escolha: ou adotar uma estratégia de “via elevada” de investimento no reforço dos sistemas de proteção social, visando melhorar as condições de vida de milhares de milhões de crianças, alcançando o desenvolvimento sustentável e a justiça social; ou seguir uma estratégia de “via secundária”, que não realiza os investimentos necessários, deixando para trás milhares de milhões de crianças vulneráveis à pobreza infantil, à falta de acesso à educação, à saúde, ao saneamento básico e a uma habitação digna, à desnutrição, à instabilidade psicológica e à violência sexual, aumentando o risco de casamento infantil e de trabalho infantil.

Simultaneamente, a OIT e a UNICEF apresentam um conjunto de medidas decisivas visando persuadir os governos nacionais a pô-las em prática, de modo a alcançar um sistema de proteção social universal para todas as crianças, destacando: (1) o investimento em benefícios sociais que garantam um combate eficaz contra a pobreza infantil e, consequentemente, a sua prosperidade económica; (2) a acessibilidade e o provimento de serviços sociais e de saúde essenciais de carácter gratuito, como creches de alta qualidade, visando ao estabelecimento de laços entre as famílias e os serviços; (3) a construção de sistemas de proteção social baseados em direitos, inclusivos e sensíveis ao género, para lidar com as desigualdades sociais e oferecer melhores resultados para crianças do sexo feminino, crianças migrantes e crianças em situação de trabalho infantil; (4) a mobilização de recursos domésticos e a atribuição orçamentária para as crianças, garantindo, assim, um financiamento sustentável para os sistemas de proteção social; e 5) a concessão de proteção social para pais e cuidadores, assegurando acesso a trabalho apropriado e benefícios sociais adequados, como de desemprego, de doença, de maternidade, de invalidez e de pensões.

O relatório destaca, ainda, o compromisso de países como Montenegro e Tunísia em fortalecer e expandir os seus sistemas de proteção social a todas as suas crianças em situação debilitável, tendo estabelecido previamente as etapas necessárias para alcançar uma mudança positiva nos respetivos territórios, sendo esta bastante visível.

Paralelamente ao relatório conjunto OIT-UNICEF relativamente à necessidade urgente de se construir um sistema de proteção social universal para as crianças, o Activity Report 2021 da World Childwood Foundation enfatiza igualmente a importância em assegurar-se proteção social para os progenitores, uma vez que lhes permite desenvolver uma rede de segurança junto das crianças, proporcionando-lhes subsistência económica, educacional, alimentar e higiénico-sanitária, e um ambiente familiar estável e saudável, pois o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias previne situações de risco psicossocial das crianças. Deste modo, evita-se o abandono de crianças por parte dos pais devido à pobreza, não as deixando expostas particularmente à violência e abusos sexuais nalgumas instituições, como evidencia a World Childwood Foundation. Compete, assim, aos diferentes atores estatais e instituições desenvolverem comummente sistemas interdisciplinares com foco nas crianças, visando à promoção e defesa dos seus direitos nas várias sociedades mundiais.

A par deste relatório, a World Childwood Foundation lançou também recentemente o relatório Childwood in Ukraine: One year after the invasion que reforça a necessidade de conceder proteção social ao nível psicológico, não só às crianças vulneráveis e traumatizadas com a guerra, assim como aos seus progenitores que são, simultaneamente, cuidadores, e permanecem em zonas de conflito. Na verdade, este apoio tem sido garantido através da organização, contudo, a responsabilidade deve partir da própria entidade estatal e não de filantropia, servindo o caso ucraniano de exemplo para qualquer parte do mundo.

Em jeito de conclusão, os relatórios quer da parceria OIT-UNICEF, quer da World Childwood Foundation sublinham a necessidade urgente em haver um compromisso por parte das respetivas entidades nacionais com as suas crianças pois, afinal, a construção de proteção social para estas recai sobre si, sendo uma base vital para ajudá-las a sair de um mundo vulnerável em que estão inseridas, permitindo-lhes ter acesso à educação, à saúde, ao saneamento básico, a uma habitação digna, à nutrição e a estabilidade psicológica, pondo fim a práticas desumanas como a violência sexual, o casamento infantil e o trabalho infantil. Assim, a proteção social deve ser compreendida como uma realidade imprescindível no mundo atual, uma vez que está consagrada como um direito humano universal, consistindo numa pré-condição para um mundo livre da pobreza.

 

Referências Bibliográficas

ENGSTRÖM ALEXANDER, Petra (2021); World Childwood Foundation Activity Report 2021; Stockholm, Sweden.

WORLD CHILDWOOD FOUNDATION (2023); Childwood in Ukraine. One year after the invasion; Stockholm, Sweden.

 

[1] PPC é a abreviatura para “Paridade do Poder de Compra”, medida do preço de bens específicos utilizada para comparar o poder de compra absoluto em diferentes países.