Recensão por: Margarida Carvalho
Machado, Fernando Luís e Cristina Roldão (2010), Imigrantes Idosos: uma nova face da imigração em Portugal, Lisboa, Alto Comissariado para a Imigração e o Diálogo Intercultural (ACIDI).
Os imigrantes idosos em Portugal ascendem aos 35 mil, número pouco significativo no conjunto da população idosa, mas que tenderá a crescer nos próximos anos. Os imigrantes idosos africanos, a quem este estudo dedica uma particular atenção, representam uma parte considerável desse número e estão numa situação de maior vulnerabilidade social e risco de pobreza; os autores prevêem que esta situação se mantenha no futuro.
A obra Imigrantes Idosos: uma nova face da imigração em Portugal, promovida pelo Observatório da Imigração, debruça-se sobre um fenómeno pouco abordado nos estudos sobre migrações: os imigrantes idosos. A investigação é feita com base numa análise quantitativa (utilizando fontes estatísticas oficiais) e qualitativa (com base em vinte e três entrevistas a imigrantes idosos africanos).
Os autores começam por fazer uma revisão da literatura nacional e internacional sobre envelhecimento e idosos nas sociedades contemporâneas em geral, e sobre migrações e imigrantes idosos em particular, partindo depois para a definição de “Perfis sociais de imigrantes idosos em Portugal” (p. 35). Recorrendo a uma análise dos Censos 2001, os imigrantes são categorizados em cinco grandes grupos: UE 15 (39,2%), PALOP (34%), Índia (7,2%), Brasil (4,5%) e outros países (15,1%). Procurando caracterizar os imigrantes idosos em Portugal e compará-los com os idosos em geral, identificar diferentes segmentos de imigrantes idosos e dar conta da desigualdade de género entre imigrantes idosos, são apresentados dados de caracterização sociodemográfica e profissional destes grupos: óbitos, idade média de ocorrência de óbitos, sexo, escalões etários, estado civil, nível de habilitações, principal meio de vida, condição perante o trabalho, categoria socioprofissional, etc.
A principal conclusão desta análise quantitativa é que há diferentes tipos de imigrantes idosos em Portugal. Um primeiro tipo, híbrido, é composto sobretudo por reformados e activos com posições profissionais privilegiadas. Chegam com bons recursos económicos de outros países da UE, especialmente dos países mais ricos do Norte. O segundo tipo de imigrantes idosos refere-se a pessoas provenientes dos PALOP que chegaram a Portugal nos anos sessenta e setenta do século passado e que cá envelheceram. Encontram-se numa situação desfavorecida e vulnerável à pobreza, já que não alteraram significativamente a sua condição social, marcada por inserções profissionais desqualificadas e mal remuneradas. Parte deles depende do apoio da família e outros continuam no mercado de trabalho para além da idade esperada, revelando a insuficiência das pensões de reforma como forma de subsistência. Dentro deste segundo tipo, há dois pequenos grupos que se distinguem: as mulheres que chegaram em anos mais recentes, já com uma idade avançada, para se reunirem à família e procurarem cuidados de saúde de que não dispõem no país de origem; e os indivíduos e famílias com mais recursos escolares e profissionais, com níveis de rendimento médios, possuidores da nacionalidade portuguesa, chegados sobretudo de Angola, Cabo Verde e Moçambique na sequência da descolonização, em meados dos anos setenta. O terceiro tipo de imigrantes idosos identificado pelos autores é o dos imigrantes indianos, em que é possível distinguir, por um lado, os empresários e dirigentes de pequenas e médias empresas na área comercial e, por outro, os profissionais científicos e técnicos onde se destacam os naturais de Goa (que chegaram no contexto da descolonização). O quarto e o último tipo apresentado é um grupo heterogéneo de brasileiros, que inclui três perfis distintos: (a) Imigrantes profissionais, com escolaridade média e alta, que chegaram a Portugal entre o final dos anos oitenta e o início dos aos noventa para trabalhar em profissões qualificadas; (b) Imigrantes laborais, com escolaridade mais baixa, que chegaram na segunda vaga da imigração brasileira, no final dos anos noventa, e que têm empregos mal remunerados; (c) Indivíduos que estão em Portugal há muito tempo, desde os anos sessenta ou setenta; alguns foram refugiados da ditadura militar.
Relativamente aos imigrantes idosos africanos, o segundo tipo acima identificado, a maioria é oriunda de Cabo Verde. Representam uma parcela ínfima do total de idosos, mas têm um grande potencial de crescimento: dentro de vinte anos, as dezenas de milhar de imigrantes africanos que chegaram entre finais dos anos oitenta e meados dos anos noventa e que ainda não são o idosos, já o serão.
Na parte da análise qualitativa, os autores centram-se nos imigrantes idosos dos PALOP, distinguindo-os por país de origem. Recorrendo à análise de 23 entrevistas a idosos africanos realizadas em vários concelhos da Área Metropolitana de Lisboa e da Península de Setúbal, os autores delinearam retratos sociológicos em que é considerada a situação social de cada idoso, a múltiplos níveis, e reconstituíram o seu passado, no que respeita à vida profissional, aos eventos familiares e ao trajecto migratório.
A análise das entrevistas e o recurso à literatura teórica e empírica permitiu a construção de uma tipologia, com cinco categorias de imigrantes idosos, construídas em torno de um eixo socioeconómico (pobreza vs. conforto socioeconómico) e de um eixo de envelhecimento (inactivo e isolado vs. activo e integrado). Essas categorias são: (1) “Velhice pobre socialmente excluída”: habitualmente com maior incidência em indivíduos do sexo masculino, muitas vezes com problemas de alcoolismo ou de saúde; são pessoas que passaram por uma ruptura ou erosão dos laços familiares; (2) “Velhice pobre familiarmente enquadrada”: estes idosos, embora tenham baixos rendimentos, sejam dependentes de apoios estatais de emergência, tenham problemas de saúde e sociabilidades restritas, distinguem-se dos da categoria anterior por terem um enquadramento familiar estável; são apoiados por filhos, genros ou netos, que respondem às suas necessidades materiais, relacionais e afectivas; (3) “Velhice pobre socialmente integrada”: as condições socioeconómicas dos idosos deste grupo não são qualitativamente diferentes das dos anteriores; são, também, pobres, embora com rendimentos médios um pouco mais elevados e com uma menor dependência de prestações sociais; a diferença desta categoria relativamente às anteriores é que está não só familiarmente enquadrada, como também socialmente integrada: alguns destes idosos ainda trabalham, os outros saem, convivem com os vizinhos, vão à igreja ou à mesquita, tratam das hortas, etc.; são pessoas menos afectadas pelas doenças, mais saudáveis; (4) “Velhice confortável socialmente activa”: esta categoria representa um salto qualitativo na condição social dos idosos; em termos socioeconómicos, correspondem a imigrantes com um perfil minoritário: têm origens sociais mais favorecidas, mais qualificações escolares e tiveram ou ainda têm ocupações profissionais qualificadas; são os que mais desenvolvem actividades fora do espaço doméstico e familiar, actividades em que aplicam e valorizam os seus capitais escolares, culturais e profissionais; não têm grandes problemas de saúde; (5) “Velhice confortável isolada”: tal como os indivíduos da categoria anterior são oriundos de classes mais favorecidas; embora tenham boas condições materiais e de saúde, vivem fechados sobre si mesmos, muitas vezes por causa da dificuldade em lidar com a mobilidade social descendente, já que são pessoas que viram o seu capital económico alterar-se com o processo de descolonização.
Os autores concluem que não há uma, mas várias velhices imigrantes. Os actuais imigrantes idosos africanos encontram-se numa situação particularmente vulnerável à pobreza e à exclusão social. As pensões de reforma não têm plena correspondência com a duração dos trajectos profissionais e os montantes dos salários auferidos; isto porque as carreiras contributivas foram curtas e irregulares (como, aliás, acontece com muitos idosos portugueses). Assim, se os salários já não eram altos, as pensões são ainda mais baixas. A estrutura familiar de apoio surge neste contexto como fundamental e está presente em grande parte dos casos, mas não em todos.
A velhice imigrante pobre reflecte dinâmicas de exclusão dos imigrantes africanos em Portugal. Ainda assim, o regresso aos países de origem não surge como uma possibilidade para estes imigrantes: seja porque as condições de vida em Portugal são melhores dos que as que teriam se regressassem ao país de origem, seja porque há filhos e netos em Portugal, seja porque depois de décadas neste país, já pouco laços existem com o país de origem.
Os autores terminam fazendo algumas recomendações às autoridades públicas e privadas de intervenção social: necessidade de uma maior disseminação da informação sobre os apoios sociais existentes; promoção de uma maior divulgação dos direitos e procedimentos relativamente às carreiras contributivas; disponibilização, preventiva, de informação e apoio jurídico sobre as implicações do trabalho em regimes informais; fomento de actividades de promoção de envelhecimento activo; criação de respostas relativamente à reunificação familiar para os imigrantes que estão sozinhos e não conseguem reunir a família em Portugal.
Margarida Carvalho