Os resultados do ICOR 2017 indicam que a desigualdade e a pobreza estão a decrescer em Portugal. Há, no entanto, situações de contracorrente que importa ter em consideração, como o caso do aumento da taxa de risco de pobreza dos desempregados.
Os resultados provisórios do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento 2017 (ICOR 2017), publicados pelo INE (INE, 2017), revelam uma ligeira diminuição das desigualdades de rendimento entre 2015 e 2016. Desde 2014 que as medidas de desigualdade de rendimento tipicamente usadas pelo INE têm vindo a diminuir, após o pico de 2013. Em 2016, o rendimento disponível equivalente dos 20% mais ricos em Portugal era 5,7 vezes superior ao dos 20% mais pobres (S80/S20). O rácio entre o rendimento do decil do topo e o da base da distribuição é igual a 10, ou seja, o rendimento dos 10% mais ricos era, em 2016, 10 vezes superior face ao auferido pelos 10% mais pobres (S90/S10). O coeficiente de Gini, que tal como é descrito no relatório em causa reflete “todas as diferenças de rendimentos entre todos os grupos populacionais, e não apenas os de menores e maiores recursos” (INE, 2017), diminuiu de 33,9 para 33,5 – o valor mais baixo registado neste milénio.
Quando se comparam os dados de 2016 com os apurados em 2009 (ano que marca o fim de um período de diminuição progressiva da desigualdade em Portugal), observam-se resultados diferenciados: o valor do coeficiente de Gini e o do S80/S20 em 2016 é semelhante ao de 2009, enquanto no caso do S90/S10 existe uma maior desigualdade no último período em análise do que em 2009. É, portanto, ao nível das desigualdades entre os extremos da distribuição do rendimento que a recuperação face aos valores de 2009 está a ser mais lenta – apesar do recuo significativo face ao pico de 2013 (menos 1,1 p.p.).
A taxa de risco de pobreza após transferências sociais correspondia, em 2016, à proporção da população cujo rendimento disponível equivalente era inferior a 454 euros mensais (5442 anuais): 18,3%. Este valor representa uma descida de 0,7 p.p. face ao ano anterior e de 1,2 p.p. face a 2013 e 2014. Em relação ao valor de 2009, a taxa de risco de pobreza era ainda 0,4 p.p. mais elevada. A taxa de risco de pobreza é determinada pelo rendimento mediano e pelas suas variações anuais. Ancorando a taxa de risco de pobreza ao limiar de pobreza de 2009, atualizado de acordo com a inflação, a taxa de risco de pobreza em 2016 seria de 21,1% (25,9% em 2013).
A incidência da pobreza varia bastante de acordo com a categoria social analisada. Ela é mais elevada entre as mulheres, mais jovens e na população desempregada. Embora tenha vindo a diminuir nos últimos anos para a população no seu conjunto, de forma bastante significativa em certas categorias sociais (entre os mais velhos e na população feminina), este indicador aumentou entre 2015 e 2016 no grupo dos desempregados e dos outros inativos.
A taxa de risco de pobreza é mais elevada nas famílias com dependentes do que nas famílias sem dependentes a cargo: 19,7% para 16,9%. As tipologias familiares que apresentam para este indicador valores mais elevados são as monoparentais com pelo menos uma criança dependente (taxa de risco de pobreza de 33,1%) e as constituídas por dois adultos e três ou mais crianças (taxa de risco de pobreza de 41,4%) – para uma análise mais desagregada ver p. 10 do relatório.
Quanto à taxa de intensidade da pobreza, “que mede em termos percentuais a insuficiência dos recursos da população em risco de pobreza” (INE, 2017), o seu valor em 2016 foi de 27,0%, o que representa um aumento de 0,3 p.p. face a 2015 – inferior, no entanto, em relação aos 30,3% e 29,0% registados em 2013 e 2014, respetivamente.
A taxa de privação material, que mede a insuficiência de acesso a pelo menos três de nove itens relacionados com as necessidades económicas das famílias, tem vindo a diminuir continuadamente desde 2014: 25,7% nesse ano, 21,6% em 2015, 19,5% em 2016 e 18,0% em 2017. Também a privação material severa, que diz respeito às situações em que não há acesso a pelo menos quatro daqueles itens, tem decrescido: 10,6% em 2014, 9,6% em 2015, 8,4% em 2016 e 6,9% em 2017. Os itens de privação material mais referidos pelas pessoas são: a incapacidade para pagar uma semana de férias fora de casa por ano (44,3%), a incapacidade para assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada, num valor próximo ao do limiar de pobreza, sem recorrer a empréstimo (36,9%), a incapacidade para manter a casa convenientemente aquecida (20,4%) e a incapacidade para pagar atempadamente rendas, encargos ou despesas correntes (7,6%). Estes valores, referentes a 2017, são inferiores aos de 2016 (ao contrário do que sucede com os indicadores de desigualdade e de pobreza – que se referem ao ano anterior ao da realização do ICOR –, os indicadores de privação material referem-se ao ano em que este foi efetuado).
Na sua estratégia para a década, designada Europa 2020, a União Europeia estabeleceu como um dos objetivos a eliminação de 20 milhões de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social até 2020. Neste âmbito, definiu-se um indicador que combina o risco de pobreza e a situação de privação material severa (impossibilidade de acesso a quatro itens numa lista de nove) com a intensidade laboral per capita muito reduzida. Da conjugação destes três indicadores, constata-se que a taxa de pobreza ou exclusão social, em 2017, afeta quase 2,4 milhões de pessoas em Portugal (23,3%, menos 1,8 p.p. do que no ano anterior).
Paulo Couraceiro