Recensão por: Frederico Cantante
Dorling, Daniel (2009), Injustice. Why Social Inequality Persists, Bristol, The Polity Press.
Desigualdades sociais favorecem o surgimento das injustiças sociais e são por elas potenciadas.
Daniel Dorling procura nesta obra identificar e analisar os princípios que suportam as injustiças sociais no mundo actual. O principal argumento que subjaz a toda a análise prende-se com o facto de as injustiças e as desigualdades sociais se potenciarem reciprocamente. As sociedades mais desiguais são as que apresentam níveis de injustiça mais elevados, sendo que as crenças associadas à legitimação das injustiças tendem a reforçar as desigualdades sociais.
É precisamente a análise dessas crenças, desses princípios de legitimação da injustiça nas sociedades actuais que define a organização dos capítulos deste livro. Para além dos dois primeiros capítulos (de cariz introdutório) e da conclusão, os demais capítulos debruçam-se sobre cada um dos princípios de legitimação da injustiça. Mais do que uma definição e articulação conceptual desses mesmos princípios, o autor procura apresentar indicadores que suportem a sua proposta.
As novas injustiças assentam em cinco princípios que entre si comunicam: “o elitismo é eficiente”, “a exclusão é necessária”, “a discriminação é natural”, “a ganância é boa” e “o desespero é inevitável”. De acordo com o autor, todas elas têm em comum o facto de decorrerem do aumento das desigualdades sociais, do crescimento da riqueza dos mais abastados e de a humanidade não ter ainda encontrado a solução correcta para lidar com o elevado nível de riqueza que conseguiu produzir.
No capítulo “’Elitism is efficient’: new educational divisions”, Dorling denuncia a ideologia do talento e da capacidade natural que tem acompanhado as políticas de educação dos países ocidentais desde os anos 40 do século XX. Critica a preponderância que foi assumida no passado pelos testes de Coeficiente de Inteligência e o seu papel estruturante na determinação das vias e possibilidades formativas dos alunos. Segundo o autor, essa ideologia do talento e da capacidade natural perdurou no tempo e secundariza os processos pelos quais os mais ricos tendem a obter melhores resultados escolares e a aceder às melhores universidades. Refere que o crescimento do ensino privado nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha começou a aumentar a partir do momento em que as desigualdades de rendimento também aumentaram, estratégia levada a cabo pelos mais ricos para manter a sua posição dominante. De acordo com Dorling, o facto de mais de metade dos lugares nas universidades de topo na Grã-Bretanha terem sido ocupados, em 2007, por alunos provenientes do ensino privado é um bom exemplo desta ideia.
No capítulo seguinte, “’Exclusion is necessary’: excluding people from society”, Dorling começa por referir que a pobreza pode ser medida a partir de três perspectivas: a auto-identificação do indivíduo como sendo pobre, a capacidade de satisfação das necessidades médias num determinado país e o rendimento. Na Grã-Bretanha 5,6% dos agregados domésticos são pobres nas três dimensões consideradas e 16,3% em pelo menos duas delas. O autor defende que o facto de as pessoas procurarem a todo o custo consumir de acordo com o padrão médio numa determinada sociedade, mesmo tendo rendimentos com ele incompatíveis, faz com que os mais pobres se endividem. Embora permita num determinado momento aceder a certos bens ou serviços, o endividamento é de acordo com o autor o principal factor que impede os pobres de poderem satisfazer as suas necessidades, pois esse tipo de obrigação é um ónus que limita no futuro as possibilidades de consumo ou poupança (p. 95).
O autor promove também uma análise das desigualdades de distribuição do rendimento no mundo, bem como a sua evolução na Grã-Bretanha desde o governo de Margaret Thatcher. Conclui, por um lado, que enquanto nos países mais desenvolvido o dinheiro “multiplica expectativas”, pois não é valorizado de acordo com o que permite comprar mas sim de acordo com o status que confere. Apenas os mais pobres nas sociedades ocidentais e a generalidade da população nos países do terceiro mundo é que atribuem ao dinheiro um valor “aditivo”, no sentido em que este lhes permite aceder aos bens essenciais.
Por outro lado, analisando a evolução das desigualdades de rendimento na Grã-Bretanha nas últimas décadas, refere que o nível de desigualdade no final do governo de Tony Blair era exactamente igual ao verificado no término do mandato de Thatcher: os 20% mais ricos continuavam a deter 42% do rendimento disponível (p. 140).
No capítulo “’Prejudice is natural’: a wider racism”, é defendido que as formas de discriminação social actualmente vigentes nas sociedades ocidentais são mais subtis do que o racismo tradicional. O fundamento da discriminação não é tanto a cor da pele ou a raça, mas mais “as suspeições ou sentimentos de que existem diferenças biológicas entre os grupos… ” (148). A homogamia de classe ou a distribuição das zonas habitacionais de acordo com o perfil de rendimento são indicadores disso mesmo.
Dorling entende que, tal como acontecia nas primeiras décadas do século passado, altura em que o nível de desigualdade de rendimentos atingiu valores semelhantes aos actuais, a sociedade dos dias de hoje é dominada pela ganância e pela hipervalorização do consumo. No capítulo “’Greed is good’: consumption and waste”, o autor critica o excesso de consumo nas sociedades ocidentais, assinala as desigualdades que apesar de tudo marcam esses mesmos consumos (por exemplo, a distribuição da posse de carro na Grã-Bretanha por tipo de agregado), destaca o facto de por vezes as populações que menos consomem acabarem por ser as mais prejudicadas pelo consumo excessivo (o caso dos prejuízos causados pela poluição na Grã-Bretanha), e questiona a ortodoxia económica e o actual sistema financeiro mundial.
No capítulo final, “’Despair is inevitable’: wealth and well-being”, o autor destaca o facto de nas sociedades mais desiguais os níveis de saúde mental serem comparativamente menores do que nas sociedades mais igualitárias, e atém-se sobre os efeitos psicológicos decorrentes de uma sociedade baseada na competição que hipervaloriza o consumo.
Em Injustice. Why Social Inequality Persists são ensaiadas algumas pistas para a explicação e denúncia das desigualdades e injustiças sociais actuais. O principal objectivo do livro, tal como é aliás descrito nas primeiras páginas do mesmo, prende-se com a problematização da “paisagem de normalidade” (p. 13) das sociedades actuais, nas quais as injustiças e desigualdades sociais tendem a ser entendidas como factos naturais e necessários. O autor sublinha que os factos naturais e necessários são afinal noções historicamente relativas e não fenómenos absolutos. Por isso mesmo vale a pena questionar essas mesmas noções, tendo em linha de conta que muitas das noções em relação às quais hoje em dia sentimos repulsa foram já consideradas como normais e necessárias.
Não sendo vocacionado para um público exclusivamente académico, o livro ganharia porém se a interessante informação estatística que o atravessa (sabia que os 20% mais ricos de Manhattan ganhavam em 2000 52 vezes mais do que os do quintil inferior?), fosse suportada por uma melhor explicitação de alguns conceitos, nomeadamente do conceito de injustiça, e sua articulação.
Frederico Cantante