Recensão por: Inês Baptista.

 

Carmo, Renato Miguel do (2009), “Coesão Social: componentes e processos”, e-Cadernos do Observatório do QREN.

 

É apresentado neste documento um modelo interpretativo e operativo sobre os processos e dinâmicas que contribuem para o incremento e promoção da coesão social na sociedade portuguesa.

Este documento de enquadramento estratégico resulta de uma encomenda do Observatório do QREN, e é dirigido, sobretudo, a responsáveis políticos que desenvolvam a sua intervenção no âmbito das medidas implementadas por aquela entidade. Assim, a abordagem centra-se, primordialmente, “nos processos de consolidação das políticas sociais e económicas consideradas estruturantes para o fomento e concretização de uma maior coesão social.” (p. 3). Num primeiro momento é apresentado o modelo e são descritas as suas componentes e dinâmicas; de seguida é feita a análise de cinco “situações-tipo”, à luz do modelo construído.

A construção do modelo teve na sua base a preocupação de reflectir as múltiplas causalidades e componentes que compõem o processo de promoção da coesão social. Assim, o modelo é constituído por dois eixos: o vertical cujos pólos dizem respeito à escala macro (factores estruturais e institucionais) e à escala micro (factores de ordem relacional) embora entre eles se estabeleça um continnum, numa perspectiva dinâmica; e o eixo horizontal onde se situam, por um lado, factores indutores e promotores das políticas a nível macro (implementadas pelo Estado) e, por outro, factores adquiridos e apropriados pelos indivíduos, que resultam da herança de estruturas sociais mas também das acções das políticas e instituições públicas. Quanto ao primeiro pólo do eixo horizontal (factores indutores e promotores), são definidas duas dimensões essenciais: 1) as políticas de incremento, resultado de macro-políticas de redistribuição e que têm como principal objectivo a recomposição, que resulte na diminuição dos níveis de desigualdade; 2) as políticas de incrustação, relacionadas com a acção e prestação de serviços públicos de proximidade (sinergia) e de relacionamento directo com a comunidade, com o objectivo de organizar plataformas de conectividade entre esta e os cidadãos. As políticas de incremento e de incrustação estão ligadas por uma estreita complementaridade, com a articulação entre, por exemplo, investimentos nas infra-estruturas e nos instrumentos de actuação dos serviços públicos. Já os factores adquiridos são compostos por duas dimensões centrais: a composição das condições de vida (situação socioeconómica, qualidade de vida e oportunidades) e a autonomia (relacional e produtora) que diz respeito à capacidade de produzir valor acrescentado e de gerar plataformas de confiança. Entre estas dimensões estabelece-se uma interacção através da acumulação dos recursos apropriados e o consequente retorno.

Subjacente a este modelo está o argumento de que quanto mais determinantes forem os factores herdados menos coesa é a sociedade, visto que as condições de vida e as oportunidades ficarão assim fortemente condicionadas pelas desigualdades que se reproduzem de geração em geração. Por outro lado, numa sociedade em que os factores indutores sejam mais determinantes, aumentam as possibilidades de apropriação de melhores oportunidades e de melhoria real das condições de vida.

É também destacado que a redução da coesão social deve basear-se na promoção de um clima social de confiança, tanto nas instituições como nos cidadãos que, juntamente com a igualização social e a consolidação da mobilidade ascendente, constituem os dois desígnios apontados como essenciais para as políticas indutoras de coesão social na sociedade portuguesa.

A complementaridade é considerada central para alcançar uma maior coesão social entre os cidadãos, ao estabelecer ligações entre as várias escalas de actuação e assim articular as intervenções de tipo top-down com outras de tipo bottom-up.

?O sucesso das políticas geradoras de sinergia em articulação com as de recomposição implicará a prazo uma menor dependência por parte dos indivíduos, organizações e comunidades em relação a determinados apoios específicos concedidos pelo Estado.? (p.15)

Na segunda parte do documento são analisadas cinco “situações-tipo” que representam sectores da sociedade onde as políticas do QREN têm impactos significativos: vulnerabilidade social provocada por baixos salários ou por situação continuada de desemprego; jovens e crianças em situação de risco de pobreza; idosos em situação de risco de pobreza; população imigrante em situação social e laboral vulnerável; população feminina em situação de desigualdade. À luz do modelo construído são identificados, para cada uma das situações, os eixos fundamentais das políticas indutoras de recomposição e de sinergia, seguidos de uma problematização dos objectivos dessas medidas.