Recensão por: Frederico Cantante.
Carmo, Renato Miguel do e João Rodrigues (orgs.) (2009), Onde Pára o Estado?, Lisboa, Edições Nelson de Matos.
A crise económica e financeira abalou um paradigma que é preciso repensar. Que Estado poderá emergir do crepúsculo neoliberal e qual o conteúdo ideológico e programático a apresentar pela esquerda para fazer face aos desafios com que a comunidade internacional e a sociedade portuguesa se deparam? Perplexidades que servem de mote aos nove ensaios compilados nesta obra, escritos por cientistas sociais que “pertencem a uma geração que cresceu num ambiente de democracia e liberdade conquistadas em 25 de Abril de 1974.”
Onde pára o Estado? Sigam-se as pegadas das políticas neoliberais implementadas a nível internacional nas últimas décadas, responderão os autores. A interrogação que titula a obra é, de facto, um repto analítico que se traduz, na maior parte dos textos que a compõem, no enquadramento e problematização da emergência histórica do modelo político-económico neoliberal, bem como na caracterização dos princípios que o alimentam. A rejeição das propostas neoliberais não subentende, porém, a recuperação por parte dos autores de modelos de pensamento historicamente datados, como o providencialismo estatal do pós-guerra. Na verdade são esboçados nos ensaios que integram esta obra princípios e lógicas de estruturação institucional potenciadores de uma recomposição do Estado, do campo económico-financeiro e da relação entre estes dois universos.
Filipe Carreira da Silva, alegando que as circunstâncias históricas que viabilizaram o welfare state foram únicas e irrepetíveis, defende a desejabilidade da emergência de um Estado neo-social que se distinga do modelo neoliberal “pela relativa valorização dos imperativos de ordem social e política face aos imperativos de estabilidade macroeconómico” (p. 26). A alteração da relação de forças entre Estado e mercado é um eixo de análise transversal a toda a obra, e é através desta tematização que se discutem, por exemplo, a problemática da pobreza, as desigualdades sociais, a segurança social ou os fundamentos da articulação entre as políticas públicas e a actividade dos privados.
Enquanto alguns dos autores partem de uma análise crítica da secundarização do papel interventor do Estado, no quadro do modelo neoliberal, para ensaiarem prospecções paradigmáticas, outros debruçam-se essencialmente sobre estratégias reformistas que permitam corrigir desigualdades e riscos sociais: Marisa Matias defende a importância das políticas públicas ambientais se adequarem às necessidades e aos recursos existentes nos seus contextos de implementação, bem como à exigibilidade destas incluírem a saúde “como dimensão constitutiva de qualquer noção de sustentabilidade” (278); Renato Miguel do Carmo faz a apologia do princípio da cooperação como vector decisivo na construção de qualquer política pública de desenvolvimento territorial, na qual o Estado teria o papel de “agente propulsor do desenvolvimento” (p. 302), potenciando os recursos locais e criando sinergias territoriais; Hugo Mendes atém-se na importância e pertinência da introdução de um imposto negativo em Portugal; Nuno Teles, por seu lado, defende a “socialização do sistema de crédito” (110) no país.
A unidade analítica desta obra reside, portanto, na questão da mudança institucional, isto é, na redefinição do papel estrutural e funcional do Estado. Os olhares que aqui se lançam sobre a realidade auto-identificam-se como sendo de esquerda, mas as propostas e os projectos políticos que se apresentam em Onde Pára o Estado? ilustram, pelo menos parcialmente, as diferenças ideológicas e programáticas existentes neste espaço de pensamento.