Recensão por: Tiago Carvalho.

Atkinson, Will (2009), “Rethinking the work class nexus: theoretical foundations for recent trends”, Sociology, nº 43, vol. V, pp. 896-912.



O autor critica as perspectivas que concebem o trabalho como a única dimensão constitutiva das classes sociais. Propõe uma aproximação ao pensamento de Pierre Bourdieu na redefinição do enquadramento analítico do conceito de classe social e destaca os seus méritos não só no plano teórico, mas também metodológico.

Neste texto, Atkinson remete-nos para uma reflexão teórica em torno da conexão entre trabalho e classes sociais, expondo, de forma faseada, as diferentes correntes teóricas em que esta relação é enunciada. Esta resenha não é feita com intuitos unicamente expositivos, mas serve para proceder a um conjunto de críticas e propostas teóricas coesas.

Na sociologia britânica pós 2ª Guerra Mundial, diversos estudos apoiaram-se nos pressupostos derivados das teorias de Marx e Weber para definir a profissão como o principal indicador de aferição da posição de classe. Mais recentemente, seguindo as mesmas assumpções e com o objectivo de caracterizar coerentemente a estrutura de classes, autores como Wright e Goldthorpe desenvolveram indicadores baseados na profissão úteis para a pesquisa quantitativa. De forma crítica, o autor aponta, por um lado, que o recurso a estes indicadores leva a que o conteúdo do trabalho deixe de ser tão importante como a relação objectiva entre ocupações e a estrutura geral de classes; por outro lado, intensifica-se a relação entre classe e ocupação. Vários são os problemas apontados pelo autor, em particular o não reconhecimento de variações internas em categorias demasiado homogeneizantes, assim como o trabalho não pago não ser incluído, acabando por excluir importantes franjas da população. Assim, refere que os estudos se redireccionaram, desligando-se da relação com o local de trabalho, as políticas e os conflitos, ou seja, distanciaram-se da sociologia do trabalho.

A insatisfação com as tipologias dos autores supracitados foi exposta por uma nova corrente, que baseou o seu trabalho nas propostas de Bourdieu. A viragem cultural, como foi chamada, procurou assim resolver os problemas supracitados, ainda que muitas das vezes sem deixar de utilizar as ferramentas desenvolvidas, por exemplo, por Goldthorpe. Assim, Atkinson refere que bastará uma redefinição dos fundamentos da teoria das classes e dos pressupostos em que assentam a construção dos indicadores para desenvolver as bases de um programa de pesquisa quantitativo e qualitativo.

O “novo nexo” (p. 902) desenvolve-se com base na noção de espaço social enquanto espaço de diferenciação das relações sociais em geral, em que as classes são produto não das relações de produção ou lugar no mercado, mas antes das condições de existência e sistemas de disposição diferencialmente produzidos. O espaço social é, assim, estruturado em três eixos: o volume total de capitais; o tipo de capital predominante (cultural ou económico); e a trajectória individual no espaço social, explicando, deste modo, variações dos habitus individuais. Consequentemente, é importante referir a inexistência de fronteiras estáticas entre classes: estas são, antes de mais, nuvens de pontos constituídas relacionalmente (no sentido em que as classes são formadas com base nas distâncias e direcções no espaço social), o que permite não excluir agentes, como foi anteriormente mencionado.

Ainda assim, seguindo o pensamento de Bourdieu, Atkinson entende que a ocupação é um bom indicador da posição no espaço social, em particular na pesquisa quantitativa, uma vez que a diferentes ocupações se associam recursos distintos, que correspondem a diferentes posições no espaço social. Na pesquisa qualitativa, esta concepção permite restabelecer os estudos sobre culturas profissionais, como, por exemplo o desenvolvimento de determinadas disposições mediante o local de trabalho. O autor critica novamente Goldthorpe para referir que a distinção entre trabalho manual e não manual que este realiza não permite reconhecer especificidades culturais e organizativas de certas profissões, em que se partilham culturas profissionais independentemente do tipo de trabalho realizado.

Ainda que Atkinson reconheça a validade do uso de ferramentas como as construídas por Goldthorpe e Wright, adverte para a necessidade de conceptualizar as disposições de classe como sendo enformadas por outros factores que não o trabalho. Assim, há uma variedade de factores e circunstâncias, que não a profissão, que contribuem para formar as disposições sociais dos indivíduos. Segundo o autor, este tipo de nuances não são apreensíveis através das classificações de Goldthorpe.

Há, assim, uma inversão da relação entre classes sociais e trabalho, tal como estabelecida por Wright e Goldthorpe, com novos diálogos possíveis entre a sociologia das classes e a sociologia do trabalho. Ainda que enfraqueça o trabalho de natureza quantitativa, a ocupação continua a ser um indicador útil quando sintonizado com pressupostos da teoria bourdiana, já que permite uma aproximação ao volume e tipo de capitais.

Para finalizar, Atkinson faz algumas sugestões para a pesquisa, quer qualitativa quer quantitativa. No primeiro campo é necessário saber, tanto quanto possível, o capital disponível, passado e presente. O habitus deve ser entendido como um dispositivo construído ao longo da trajectória social que não pode ser caracterizado apenas a partir da posição ocupada no presente no espaço das classes. Como tal, a não correspondência entre disposições e posição social num determinado momento não deve ser explicada por razões idiossincráticas, mas sim pelas diferentes biografias individuais.

Ao nível quantitativo, a construção de uma nova categorização deve capturar as divisões fundamentais dos capitais, bem como incluir variáveis que permitam abranger uma maior diversidade dos mesmos: a classe não é determinada apenas pela ocupação, mas por uma variedade de recursos disponíveis.