Recensão por: Frederico Cantante.
after the euro_imagem
Pochet, Philippe, Maarten Keune e David Natali (eds.) (2010), After the Euro and Enlargement: Social Pacts in the EU, Bruxelas, ETUI e OSE.

Quais as convergências e dissemelhanças dos processos de concertação social entre os países da Euro Área? Que mudanças sucederam neste campo após a introdução da moeda única? Quais os desafios com que se deparam os parceiros sociais? Estas são três das questões essenciais que atravessam a obra.

After the Euro and Enlargement: Social Pacts in the EU é uma obra colectiva na qual podem ser encontrados retratos da história recente dos processos de concertação social e suas concretizações em alguns dos países da Euro Área. Embora integre três ensaios de cariz teórico-analítico (a introdução, a conclusão e o capítulo escrito por Franz Traxler), o livro é essencialmente composto por textos vocacionados para a descrição, síntese e problematização da concertação social em 11 países.

Na introdução do livro, David Natali e Philippe Pochet propõem três dimensões analíticas a partir das quais os processos de concertação social nos países da UE devem ser explicitados. Em primeiro lugar, o contexto político e económico que enquadra os pressupostos e a agenda da concertação social, nomeadamente os impactos da moeda única na definição das políticas económicas dos Estados-Membros. Em segundo lugar, a análise das dinâmicas que se estabelecem entre os actores que participam na concertação social, por exemplo, a distribuição do poder e os interesses em causa, as disparidades entre os sectores protegidos e os expostos… Por último, a regulação institucional dos processos de negociação. A este nível, os autores referem que importa conhecer a história dos agentes em causa, dos pactos que entre si celebraram e dos contextos políticos em que o fizeram.

No capítulo “Corporatism(s) and pacts: changing functions and structures under rising economic liberalism and declining liberal democracy”, Franz Traxler começa por criticar alguns dos pilares teóricos do corporativismo ortodoxo, procurando de seguida delimitar as diferenças que existem entre o corporativismo keynesiano (anos 60 e 70 do século passado) em relação ao corporativismo actual. Refere, por exemplo, que enquanto o corporativismo keynesiano procurava controlar o aumento dos salários para limitar a inflação, actualmente a moderação dos salários legitima-se nos imperativos de competitividade económica; que a internacionalização económica e a integração europeia diminuíram o campo de possibilidades dos governos nacionais ao nível da concertação social; e que o desemprego, a desunião dos sindicatos e a desregulação dos mercados enfraqueceram os sindicatos, enquanto o ortodoxismo económico municiou os governos de uma alternativa ao corporativismo.

Na esteira das propostas da teoria crítica, Traxler atém-se nos problemas de legitimação que enfrentam as democracias liberais, decorrentes dos imperativos “instrumentais” da acumulação privada de recursos, e entende que este facto potencia por vezes relações “expressivas” entre governos e parceiros sociais, pelas quais os primeiros procuram legitimar democraticamente as suas decisões e projectos políticos. É a partir da oposição entre as lógicas de estruturação social instrumentais e expressivas que o autor promove uma análise dos modos de regulação e da estrutura negocial dos contextos de concertação social em vários países da UE, mas também da viabilidade do corporativismo e dos pactos sociais.

Na conclusão, Maarten Keune e Philippe Pochet fazem um resumo das principais dimensões e oposições expostas nos capítulos do livro vocacionados para a análise das realidades nacionais, procurando fundamentar as razões porque, na sua perspectiva, os pactos sociais vão no futuro centrar-se essencialmente na regulação dos salários dos trabalhadores dos “sectores protegidos” (educação, saúde, função pública). Avançam com três razões para fundamentar esta perspectiva: 1- os sindicatos dos trabalhadores dos sectores protegidos têm quase sempre como contraparte na negociação o governo, o qual assume cada vez mais o papel de ?parceiro de pleno direito? em detrimento do de árbitro ? e beneficia muitas vezes do facto de a decisão final da negociação ser sua; 2- a globalização e a competitividade económica fazem com que nos sectores económicos mais “expostos” exista uma maior contenção salarial e neste sentido os sectores protegidos são os que maior margem de manobra terão para reclamar aumentos salariais; 3- por último, os autores referem que no futuro os salários dos trabalhadores dos sectores protegidos poderão funcionar como a referência para as negociações colectivas, mas também que o ajustamento diacrónico dos salários conterá de forma mais precisa os aumentos salariais desses mesmos sectores.

No que diz respeito aos capítulos vocacionados para a análise das realidades nacionais, são feitos retratos de países que participaram na criação da Euro Área desde o seu início, mas também de outros que só mais tarde a integraram. Dentro daquele primeiro grupo de países, podem encontrar-se descrições de experiências caracterizadas pela progressiva institucionalização dos pactos sociais e outras onde as relações entre os parceiros sociais foram mais problemáticas? por exemplo, o caso Portugal, narrado e problematizado por António Dornelas no capítulo “Social pacts in Portugal: still uneven?”.

O autor começa por descrever brevemente a história da concertação social no pós-25 de Abril, caracterizar o perfil dos parceiros sociais que a compõem e a relação que entre si mantiveram, e elencar os quatro grandes períodos que, na sua perspectiva, marcaram a história da concertação social em Portugal desde 1985. Posteriormente, é promovida uma genealogia das principais questões decididas no quadro da concertação social desde 1986, da posição tomada pelos parceiros em relação a esses temas, e do contexto político que acompanhou estes mesmos processos. Dornelas debruça-se essencialmente sobre os acordos tripartidos ad-hoc, relativos à regulação dos salários e a outros temas, mas também sobre os pactos sociais alargados. No caso destes últimos, o autor faz uma análise do Acordo Económico e Social de 1990, do Acordo de Concertação Social de Curto Prazo de 1996, do Acordo de Concertação Estratégica de 1997 e do Acordo Tripartido para um novo sistema de regulação das relações laborais, das políticas de emprego e de protecção social em Portugal, de 2008.

Nas últimas páginas do capítulo, Dornelas procura explicar a evolução dos pactos sociais em Portugal e suas concretizações através de oito ?assumpções e hipóteses? (p. 132). Defende, por exemplo, que o governo é o agente principal e mais poderoso no processo de concertação social em Portugal, que a unanimidade das decisões em sede de concertação social aumenta a legitimidade mas não é condição necessária ou suficiente das mesmas, e que as imposições externas circunscrevem os pressupostos das possibilidades negociais do governo. A partir destas formulações o autor esboça algumas conclusões de cariz mais teórico:

“O caso português parece confirmar as críticas feitas às teorias da convergência promovidas por vários autores. A análise comparativa demonstra que contextos europeus e internacionais análogos não produziram os mesmos efeitos institucionais em Portugal, comparativamente ao verificado em Espanha e Itália (?) A flexibilidade real ao nível da fábrica e a falta de consenso entre os parceiros sociais no que concerne a temas estratégicos como a moderação salarial ou a adaptabilidade laboral ajudam a explicar os desequilíbrios dos pactos sociais em Portugal. Embora os parceiros sociais tenham um papel importante na definição da agenda negocial e do enquadramento das políticas públicas, as escolhas políticas dos governos e as suas posições acerca das questões sociais são o factor determinante na explicação das oscilações e desequilíbrios dos pactos sociais em Portugal” (p. 133, tradução própria).

Frederico Cantante

Publicado originalmente em Observatório das Desigualdades, 2010