Recensão por: Frederico Cantante.

 

INE (2010), Sobre a Pobreza, as Desigualdades e a Privação Material em Portugal, Lisboa, INE.



Níveis de pobreza e desigualdade têm vindo a diminuir em Portugal, apesar da forte incidência da pobreza em alguns grupos sociais e das expressivas desigualdades remuneratórias que ainda prevalecem. Instrumentos de recolha da informação estatística devem ser afinados.

O enfoque temático deste livro recai sobre os fenómenos da pobreza, desigualdade remuneratória e privação material. Embora seja apresentada alguma informação para os países da União Europeia, o principal esforço analítico concentra-se na caracterização da situação portuguesa no que a estas três dimensões diz respeito. O livro está dividido em três partes.

Na primeira, Manuela Silva promove um breve enquadramento teórico do livro e problematiza algumas das estratégias metodológicas usadas para medir a pobreza, a desigualdade e o bem-estar. De acordo com a investigadora, o facto de o rendimento monetário ser usado como o indicador de aferição da pobreza limita o grau de precisão na medição deste fenómeno por várias razões: por exemplo, o nível de intervenção do Estado em sectores como a saúde e a educação faz com que para o mesmo rendimento monetário possam existir diferentes “situações de privação” (p. 25) entre os países e, num mesmo país, ao longo do tempo; não se ter em linha de conta os rendimentos não-monetários; as populações institucionalizadas não serem incluídas na amostra. Manuela Silva defende que os instrumentos de medição da pobreza devem ter como pressuposto teórico o entendimento deste fenómeno enquanto violação dos direitos humanos, enquanto realidade que limita a satisfação das necessidades básicas das populações. De seguida, a investigadora atém-se na relação entre pobreza, género e desigualdade de rendimentos, e destaca, no final do seu texto, a importância de se problematizar e repensar de forma consistente os instrumentos de recolha de informação estatística, mas também os modos de acesso a este “bem público” (pp. 29-30).

A segunda parte do livro consiste essencialmente na apresentação e descrição minuciosa de indicadores estatísticos respeitantes ao risco de pobreza, distribuição do rendimento e à privação material e habitacional. É promovida uma análise da variação da grandeza estatística destes indicadores de acordo com algumas variáveis de caracterização sociográfica ou socioprofissional, e utilizadas medidas estatísticas diversificadas para a ilustração da situação portuguesa – principalmente no que diz respeito à distribuição do rendimento e risco de pobreza.

A terceira parte, denominada “Pontos de Reflexão”, é constituída por cinco pequenos ensaios vocacionados para a análise da pobreza em Portugal. São eles: “Matriz de análise da pobreza infantil: potencialidades e limitações” (Amélia Bastos), “Algumas notas sobre a pobreza no feminino” (Carla Machado), “O risco de pobreza e a privação material das pessoas idosas” (equipa do INE), “Transmissão intergeracional da pobreza” (equipa do INE) e “Outros olhares sobre os indicadores de pobreza” (Carlos Farinha Rodrigues). Nos três primeiros ensaios mencionados, debate-se a problemática da pobreza e/ou da privação material tendo como pano de fundo a sua incidência em três grupos sociais específicos: as crianças, mulheres e idosos. Amélia Bastos e Carla Machado debatem também nos seus textos várias limitações metodológicas dos instrumentos a partir dos quais se determina o risco de pobreza das crianças e mulheres. Por exemplo, ambas as investigadoras referem que o facto da aferição da condição de pobreza individual ter como pressuposto para a sua mediação a repartição equitativa do rendimento familiar oculta a real distribuição do rendimento no seio dos agregados doméstico – distribuição essa potencialmente prejudicial para os elementos com menos poder.

No ensaio “Transmissão intergeracional da pobreza”, são apresentados dados que apontam para uma forte influência da classe social (operacionalizada através da tipologia “ACM”) e do nível de escolaridade da família de origem na definição da mobilidade social e escolar dos indivíduos. A partir dos dados que resultaram do módulo ad hoc integrado no Inquérito às Condições de Vida realizado em 2005, são definidos perfis de mobilidade social e escolar e o seu peso relativo. Ao nível da mobilidade social, medida através da relação entre a situação socioprofissional do indivíduo em relação à da sua família de origem, verifica-se que 42,6% dos inquiridos tiveram uma mobilidade social ascendente, 27,3% uma mobilidade estacionária e 30,1% uma mobilidade descendente. No que concerne ao percurso escolar, verifica-se que 52,8%, 44,7% e 2,4% dos indivíduos tiveram uma mobilidade intergeracional ascendente, estacionária e descendente, respectivamente. Pese embora o aumento intergeracional dos níveis de escolaridade dos indivíduos, a autora faz menção à expressiva reprodução dos recursos escolares familiares (mobilidade estacionária), mas também à forte influência da classe social de origem na conclusão de um nível secundário ou superior de ensino.

Por último, Carlos Farinha Rodrigues analisa no seu ensaio três indicadores: a incidência, intensidade e severidade da pobreza. Começa por chamar a atenção para o facto da diminuição do valor destes indicadores ser mais acentuada entre 2003 e 2008 se a análise dos mesmos tiver como referência a linha de pobreza fixada no ano de 2003. Por exemplo, se se “ancorar” a taxa de risco de pobreza (incidência) à linha de pobreza de 2003, a redução deste indicador é de 23% – sem este procedimento de ancoragem a diminuição da taxa de risco de pobreza entre 2003 e 2008 é de apenas 13%. De seguida, o autor analisa a incidência e a intensidade da pobreza em Portugal nos anos de 2003 e 2008 para diferentes valores de uma linha de pobreza estabelecida entre os 2000 e os 7000 euros anuais. O autor conclui que quer em termos relativos, quer em termos absolutos, isto é, tendo ou não em consideração os efeitos do crescimento económico, “se verificou indiscutivelmente uma redução das diferentes dimensões da pobreza monetária” (p. 123). No final, o autor chama a atenção para o importante impacto dos rendimentos não monetários na mitigação das várias dimensões da pobreza.