Recensão por: Cristina Roldão.

 

OCDE (2011), Against the Odds: Disadvantage Students Who Succeed in School, Publicações OCDE. 

Portugal entre os países da OCDE com maior proporção de alunos resilientes entre os socioeconomicamente mais desfavorecidos, ainda que os níveis de proficiência tendam a ser pouco elevados.

Against the Odds: Disadvantage Students Who Succeed in School (OCDE, 2011)  é uma análise recente dos dados PISA 2006 que se debruça especialmente sobre a literacia científica de alunos com idade entre os 15 e os 16 anos e que completaram no mínimo seis anos de escolaridade.

O estudo procura uma aproximação aos factores explicativos dos melhores resultados de alguns estudantes com origens sociais desfavorecidas, aquilo a que chamam estudantes resilientes, assim como a produção de recomendações de política no domínio da promoção da equidade social.

Num primeiro momento são analisadas as diferenças internacionais no que diz respeito ao peso dos estudantes resilientes no conjunto dos alunos com menores recursos socioeconómicos em cada um dos 55 países envolvidos, utilizando-se para isso um indicador específico de resiliência[1].  Portugal surge como o sexto país dos 30 participantes da OCDE com uma proporção de resilientes mais elevada (46,2%), acima da média da OCDE (39%) (ver gráfico 1).

Um aspecto que cabe realçar é a não linearidade da relação entre a proporção de resilientes e os resultados globais ao nível da proficiência de cada país. Apesar dos avanços demonstrados nos resultados do PISA 2009, Portugal surge sistematicamente nas inquirições PISA entre os países com níveis médios de proficiência mais reduzidos, mas no que diz respeito à proporção de resilientes tem uma posição favorável. Já a Grécia, que costuma atingir resultados globais no PISA semelhantes aos de Portugal, apresenta valores mais reduzidos no que diz respeito aos alunos resilientes (31,5%), abaixo da média da OCDE. Por outro lado, encontramos países como a Finlândia, o Japão e o Canadá que combinam uma boa performance dos seus estudantes em geral e uma proporção de resilientes elevada (66,6%, 52,8% e 51,3%). Todavia, existem também países que, estando entre os que melhores resultados globais atingiram no PISA 2006, têm uma proporção de resilientes abaixo da média da OCDE, como por exemplo a Suécia (36,3%), a Bélgica (37,2%), a Alemanha (37,8%), a Hungria (38,1%) e a Áustria (38,1%).

Nas restantes dimensões de análise abordadas pelo estudo é utilizada uma segunda modalidade de operacionalização da resiliência[2], menos capaz de oferecer condições de comparabilidade internacional, mas mais adequada à realidade nacional de cada um dos países.

Os estudantes resilientes em Portugal tendem a apresentar níveis de proficiência entre o nível 2 e 3 de proficiência (71,4%) enquanto que ao nível da  OCDE esse escalão de proficiência é claramente menos frequente entre os estudantes resilientes (43,1%). Os resultados revelam que em termos gerais os alunos resilentes no campo das ciências, tendem a sê-lo simultaneamente na proficiência a leitura e a matemática; e tendem a ter também, face aos restantes estudantes com um nível de ESCS (index of economic, social and cultural status) baixo, origens sociais um pouco mais favorecidas, especialmente do ponto de vista das variáveis relativas ao capital cultural das famílias.

Quer em Portugal, quer ao nível da média da OCDE, as diferenças de género são pouco expressivas no que diz respeito à resiliência no domínio das ciências, embora os rapazes estejam ligeiramente sobrerepresentados. No plano da literacia a matemática, a vantagem masculina aumenta um pouco. Mas a diferença de género mais acentuada, ainda que pequena, dá-se na literacia a leitura, em benefício das raparigas.

Foi também aferida a situação dos alunos de origem imigrante, verificando-se que em termos gerais os alunos autóctones estão sobrerepresentados entre os alunos resilientes ao nível da proficiência a ciências, matemática e leitura. Ainda que os dados não sejam propriamente comparáveis, Portugal está entre os países em que essa diferença é menor, bem distante do observado, por exemplo, na Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Suíça.

A pesquisa detém-se especialmente na análise das correlações entre a resiliência e as atitudes e práticas dos estudantes face à aprendizagem das ciências. Em geral, quer na OCDE quer em Portugal, os estudantes resilientes, face aos alunos com origens sociais semelhantes mas com níveis baixos de literacia científica, tendem a: revelar maior interesse e motivação na aprendizagem das ciências; sentir-se mais capazes de dar conta de questões nessa área de conhecimento e mais preparados para carreiras profissionais nesse ramo; participar mais em actividades extra-escolares na área das ciências; frequentar cursos dessa área de conhecimento e despender na escola um maior número de horas de estudo nessa área.

O estudo procura ainda abordar aquilo que referem como ambiente de aprendizagem. Um primeiro bloco de variáveis remete para o tipo de gestão escolar (pública/privada), competição com outros estabelecimentos, politicas de admissão com base no percurso académico, bateria de indicadores que os autores descrevem como mecanismos de promoção do sucesso referenciados na literatura. Contudo, essas hipóteses não são corroborados pela análise, nem ao nível da OCDE, nem para Portugal, embora este último só tivesse dados sobre a competição entre estabelecimentos.

Dentro ainda da análise do impacto do ambiente de aprendizagem, são analisados os efeitos da qualidade dos recursos das escolas e a implementação de actividades escolares relacionadas com as ciências. Também aqui os resultados são inconclusivos, embora a segunda dimensão pareça ter uma associação estatística mais expressiva face à resiliência.

Para além da compração sistemática entre alunos, do ponto de vista socioeconómico, mais desfavorecidos (resilientes e “low achievers”), a pesquisa procura ainda perceber se os aspectos que pareciam beneficiar esses estudantes, beneficiavam de igual forma ou de forma acrescida os alunos com maior vantagem socioeconómica, mantendo-se o resto constante (sexo, origem migrante, etc.). Atendendo ao caso português, constata-se que existe uma vantagem acrescida para estes últimos nos seguintes itens: motivação para aprender ciência, envolvimento extra-escolar em actividades no campo das ciências, preparação escolar para carreiras profissionais científicas e número de horas de aulas na área das ciências.

As principais conclusões do relatório são que os factores mais associados à resiliência remetem para as atitudes e práticas face à aprendizagem e para o número de horas dispendidas em aulas de ciências. Vale a pena, contudo, frisar que o relatório tende a atribuir um carácter explicativo às atitudes e práticas face à aprendizagem, quando podemos pensar que elas próprias poderão ser explicadas pelo nível de desempenho escolar dos estudantes.

Para países como Portugal, em que os estudantes socioeconomicamente mais favorecidos tendem a revelar benefícios acrescidos face ao conjunto de factores anunciados, é sugerido que as políticas de promoção da equidade devem ser especificamente destinadas a jovens e a territórios mais vulneráveis do ponto de vista socioeconómico, em detrimento de medidas generalizadas, através, por exemplo, de estratégias pedagógicas inovadoras, actividades de exploração e criação de relações com profissionais e instituições desse ramo. Sugere-se também que o aumento do número de horas dispendidas em aulas de ciências só pode ser benéfico se acompanhado de uma transformação das práticas pedagógicas, pelo que programas de formação de docentes neste domínio poderão ser muito relevantes.

 

[1] Este indicador de resiliência procura ter em conta, na dimensão socioeconómica, as especificidades nacionais, contabilizando os alunos no terço de estudantes com um índice de estatuto económico, social e cultural (ESCS) mais baixo em cada um dos países. Na dimensão da proficiência estabelece-se um critério comum, delimitando-se os alunos cujos resultados se situam no terço de estudantes com níveis de proficiência mais elevados a nível geral e que têm um nível de ESCS semelhante (ver OCDE, 2011:23).
[2] Esse indicador tem em conta as especificidades nacionais quer na dimensão socioeconómica quer na da proficiência a ciência, isto é, delimitam-se os casos no terço de estudantes com um ESCS mais baixo em cada um dos países e que se situam no terço de estudantes com níveis de proficiência mais elevados desses países.