Luís Cunha Miranda é reumatologista, médico do trabalho e director clínico adjunto do Instituto Português de Reumatologia. Tem feito investigação na área das doenças reumáticas, nomeadamente o estudo da incidência deste tipo de doenças na população activa em Portugal (estudo PROUD, Prevalence of Rheumatic Occupational Diseases). Tem também chamado a atenção para o défice que existe em Portugal ao nível dos recursos humanos especializados em Reumatologia, e para o facto de essa realidade se poder agravar no futuro.

 

Observatório das Desigualdades: No estudo PROUD que desenvolveu junto de empresas de grande dimensão em Portugal verificou que 5,9% dos seus trabalhadores padeciam de lesões músculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT). Na indústria automóvel este valor é de 8,0%, na construção civil situa-se nos 5,6% e nas empresas de serviços queda-se pelos 4,13%. Parece existir uma relação próxima entre o tipo de trabalho exigido e este tipo de lesões…

Luís Cunha Miranda: O tipo de trabalho e as solicitações que o trabalhador está sujeito influencia directamente o tipo e a gravidade das LMERT. Existem diversos factores de risco como a repetitividade, as vibrações, as posturas estáticas, a mobilização de pesos etc. que influenciam de forma directa este tipo de lesão. É a ligação posto de trabalho/tarefa e trabalhador que vai determinar tal situação. Havendo muitos trabalhadores a desempenhar a mesma função, alguns terão uma LMERT, outros eventualmente não. Depende também de características individuais.

OD: Existem diferenças importantes ao nível das taxas de incidência das LMERT entre homens e mulheres e de acordo com a idade?

LCM: Dependendo do tipo de empresas e dependendo das funções, encontrámos diferenças. As diferenças ao nível do género são mais evidentes, pois as mulheres realizam em geral tarefas de maior minúcia e os homens de maior força (embora tal seja uma generalização) e isso implica tipos e percentagens de lesões diferentes. Relativamente à idade, esta influencia não só pelo natural desgaste das estruturas (tendões, articulações etc.), mas igualmente pelo tempo de exposição a um ambiente de trabalho hostil.

OD: As LMERT implicam custos sociais e económicos elevados. Quais os instrumentos e estratégias ao dispor das empresas e das entidades interessadas para minorar a sua incidência?

LCM: Em primeiro lugar a valorização da Medicina do Trabalho, em segundo a correcta avaliação do risco específico da empresa e dos postos de trabalho, muitas das vezes com o auxílio da ergonomia, e finalmente investir não no despedimento dos trabalhadores doentes, mas sim na melhoria das condições no local de trabalho que evitem que os trabalhadores adoeçam por causa da sua profissão. Os empregadores devem entender que o investimento na saúde dos trabalhadores é isso mesmo e não um custo para a empresa. Algumas adaptações do posto de trabalho quando feitas por quem sabe podem ser simples e com baixos custos, e poderão ser rapidamente recuperáveis em menos baixas e reformas.

OD: É referido no estudo PROUD, que coordenou, a existência de uma disparidade considerável entre os resultados apurados e os dados da Segurança Social. Como explica essa diferença?

LCM: Para a empresa, para o próprio médico do trabalho e mesmo para o doente não existe uma clara evidência de que o registo é benéfico, antes pelo contrário. Assim registam-se poucos destes casos. Os próprios relatórios ainda os englobam em grupos demasiado grandes de causas, e assim não sabemos, por exemplo, qual o custo da lombalgia ou da tendinite do ombro. Por outro lado, o sistema de registo é complicado e burocratizado, e visto como tendo pouco interesse e relevância. A sua obrigatoriedade é assim duvidosa em termos práticos.

OD: No artigo “A Realidade da Reumatologia Portuguesa em 2009: uma Janela até 2019” promove uma análise diacrónica e prospectiva acerca da proporção de especialistas em Reumatologia existentes em Portugal. Para além de identificar a falta deste tipo de recursos humanos no presente e estimar que “em 2019 não atingiríamos os números considerados aceitáveis para a cobertura de 50% das consultas necessárias em Reumatologia”, chama a atenção para as desigualdades regionais que existem ao nível da distribuição destes especialistas em Portugal. Vê luz ao fundo do túnel?

LCM: A falta de especialistas em Reumatologia e eventualmente de outras especialidades chave para Portugal, enquanto País em acelerado envelhecimento, provoca uma desigualdade social equivalente ao não acesso à educação. Por exemplo, um doente com artrite reumatóide só por ter nascido ou viver no Alentejo terá a sua vida limitada e a destruição das suas articulações poderá ser uma realidade em menos de dois anos. Quem não aceder às consultas em tempo útil pode sofrer esse impacto nas suas articulações e na sua vida, e no Alentejo não existe um reumatologista ligado ao SNS em todos os distritos. Noutros distritos podem existir um ou eventualmente dois reumatologistas. Mais do que três só nos distritos de Lisboa, Coimbra e Porto.

Muitos destes doentes reformar-se-ão antes do tempo e não conseguirão ter uma profissão condigna. Se esta realidade tão negativa não for invertida rapidamente os custos sociais serão cada vez maiores. Hoje em dia, com uma intervenção atempada e um seguimento por reumatologistas, estes doentes podem aspirar a uma vida muito próxima da normalidade. Infelizmente a realidade do Alentejo é igual à de todo o país, com graus de acesso mais ou menos impossíveis (não consideraria difíceis apenas).

O Estado, demitindo-se do seu papel de regulador e de organizador, continua a não investir na formação de novos especialistas em Reumatologia. De facto, tendo sido pedido um esforço aos serviços, por parte do colégio da especialidade, para aumentarem as vagas em Reumatologia, foram abertas em 2010 onze capacidades formativas pelos hospitais (locais onde poderia ser iniciada a formação de novos reumatologistas). Todavia, o Ministério da Saúde sem critério ou regras pré definidas e aceites por todos abriu apenas cinco vagas, menos que os reumatologistas que se irão reformar este ano, o que provoca um saldo negativo.

A luz ao fundo do túnel não existe e o túnel será negro para todos os doentes reumáticos que não vão ter acesso à especialidade, e são empurrados para consultas de não especialistas na área ou irão sofrer em silêncio, vivendo um existência de segunda num País que lhes devia dar o mesmo que dá a outros doentes de outras doenças, que por serem mediáticas conseguem muito mais.