Recensão por: Frederico Cantante.
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Rodrigues, Eduardo Vítor (2010), Escassos Caminhos: os Processos de Imobilização Social dos Beneficiários do Rendimento Social de Inserção, Porto, Afrontamento.

É identificado um conjunto de factores que cumulativamente funcionam como impedimentos estruturais à mobilidade social ascendente. Estudo sobre os beneficiários do Rendimento Social de Inserção residentes em Vila Nova de Gaia.

 Eduardo Vítor Rodrigues procura neste estudo analisar os processos de imobilização social dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção, traçar as dimensões constitutivas desse fenómeno e promover uma avaliação crítica desta política social.

Nos três primeiros capítulos é feito um enquadramento teórico e conceptual da problemática em causa. No primeiro analisa-se o papel do Estado e das políticas sociais nos processos de integração social, e as diferentes aproximações teóricas ao fenómeno da pobreza, da exclusão social e da regulação estatal da vida social. Neste plano, Eduardo Vítor Rodrigues explora as virtualidades teóricas e conceptuais do pensamento de autores como Robert Castel, Serge Paugam, Weber, Simmel, Bourdieu ou Habermas. De seguida, é feita uma descrição dos modelos europeus de Estado-Providência de acordo com as tipologias de Esping-Andersen e de Bruno Palier e promovida uma explicitação mais pormenorizada das especificidades do modelo de Estado-Providência nos países do Sul da Europa.

No segundo capítulo ensaia-se, primeiramente, uma síntese analítica da relação entre Estado, mercado e justiça social de acordo com diversos sistemas de pensamento, nomeadamente do marxismo e do liberalismo clássico de Adam Smith. A seguir, o autor detém-se sobre a emergência histórica do Estado-Providência, mais concretamente sobre as políticas de “solidariedade profissional” de Bismark no final do século XIX, das políticas de “solidariedade nacional” que resultaram do relatório Beveridge de 1942 e nas implicações políticas do pensamento de John Maynard Keynes. O capítulo termina com uma reflexão em torno dos problemas e desafios que o neoliberalismo impõe às políticas sociais e ao Estado-Providência.

No terceiro capítulo o autor discorre sobre as origens e desenvolvimentos das políticas de rendimento mínimo na Europa, a sua implementação em Portugal através do Rendimento Mínimo Garantido e traça as diferenças existentes entre esta medida e o Rendimento Social de Inserção.

Os restantes capítulos do livro são dedicados à análise dos resultados do estudo, à apresentação das dimensões constitutivas do fenómeno da imobilização social e ao seu refinamento conceptual e, por último, a uma reflexão em torno dos méritos e lacunas do Rendimento Social de Inserção.

A partir da informação que resultou da aplicação de um inquérito por questionário aos beneficiários do Rendimento Social de Inserção residentes em Vila Nova de Gaia, e da realização de entrevistas aos mesmos e a outros agentes locais, o autor faz uma caracterização sociográfica desses beneficiários, da relação que mantêm com o mercado de trabalho, do seu nível de dependência face às prestações sociais, da avaliação que fazem das mesmas e das expectativas em relação ao futuro. Apresenta ainda um conjunto de indicadores acerca das condições de vida, auto-estima, práticas de sociabilidade e consumo dessa população.

Da análise dos dados Eduardo Vítor Rodrigues apresenta uma tipologia de beneficiários do Rendimento Social de Inserção: os “beneficiários acomodados”, os quais não evidenciam sinais de quererem investir em factores de mobilidade social ascendente; “os beneficiários bloqueados”, que embora queiram e perspectivem condições para uma real inserção social, vêem-se impossibilitados de a procurar devido a constrangimentos familiares; os “beneficiários incomodados”, indivíduos que recebem esta prestação social há pouco tempo, que se sentem envergonhados por terem essa dependência económica e estão bastante mobilizados para activar estratégias conducentes a uma melhoria das suas condições de vida.

Definindo imobilismos sociais como “factores de inércia no processo de reinserção social” (p. 264), o autor apresenta não só uma tipologia dos processos de imobilização (“afastamento”, “desvinculação”, “isolamento relacional”… p. 247), mas esquematiza também os tipos de imobilismo social que identificou na investigação (imobilismo “físico”, “de poder”, “relacional”… pp. 256-262). Embora as combinações entre os factores económicos, culturais e simbólicos de imobilismo sejam variáveis, eles tendem a ter uma natureza cumulativa e a reproduzirem as condições de vulnerabilidade social e pobreza. A este nível o autor enfatiza a importância que os baixos recursos escolares, a relação com o mercado de trabalho ou as características do contexto de residência assumem nos processos de imobilização social.

Segundo o autor, o perfil heterogéneo dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção e o cariz cumulativo dos factores de imobilização social colocam dois desafios essenciais aos modos de implementação desta política social: por um lado, é necessário activar estratégias de inserção social adequadas ao perfil diferenciado dos beneficiários, pois os factores de imobilização e sua combinação variam bastante de indivíduo para indivíduo; por outro, esta política deve focar-se nos factores que estruturam as condições de pobreza, exclusão e imobilização social, indo além de uma lógica meramente assistencialista. A este nível, Eduardo Vítor Rodrigues destaca o efeito positivo que o Rendimento Social de Inserção teve no combate ao abandono escolar precoce e aponta esta evidência como um exemplo de uma estratégia de intervenção com impactos estruturais nas possibilidades de mobilidade social dos seus beneficiários.

“O carácter estrutural das políticas sociais deve ser propiciador de uma intervenção nos factores de vulnerabilização social, quer dizer, no conjunto de factores que cumulativamente, compassadamente, mas de forma irreversível, tendem a debilitar, a vulnerabilizar e a tornar dependentes os sujeitos em questão (…) Podemos identificar no RMG uma valência paliativa resultante do seu carácter pecuniário, mas simultaneamente uma potencial valência estrutural resultante da virtualidade que tem de associar à prestação pecuniária um conjunto de outras medidas que actuam articuladamente no redesenho do projecto de vida dos indivíduos e na resolução de alguns factores de vulnerabilização social que afectam o agregado” (pp. 250-51).

Frederico Cantante

Publicado originalmente em Observatório das Desigualdades, 2010