Recensão por: Diana Deodato

 

UNDP (2023). Global Multidimensional Poverty Index 2023. Unstacking global poverty: Data for high impact action. New York, United Nations Development Programme and Oxford Poverty and Human Development Initiative.

 

“Recolher bons dados é uma das mais potentes ferramentas para acabar com a pobreza extrema” (tradução livre) diz o presidente do Banco Mundial Jim Yong Kim’s, frase usada por Sir Tony Atkinson no Relatório da Comissão para a Pobreza Global. É a partir desta mesma ideia, de que um levantamento profundo de dados poderá contribuir para solucionar o problema da pobreza, que o Índice Multidimensional de Pobreza é publicado em conjunto pelo Human Development Report Office (HDRO) do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e o Oxford Poverty and Human Development Initiative (OPHI) desde 2010. Este índice mede “privações que se sobrepõe em 110 países e 1200 regiões subnacionais” na “tentativa de oferecer” estratégias para combater a pobreza que vai além das “privações monetárias”. Assim, o relatório anual tenta fornecer “perspetivas chave”, sobre a pobreza extrema nos países desenvolvidos, para atingir o objetivo da erradicação da pobreza englobado nos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2030.

 

O índice Multidimensional de Pobreza Global (IMP) divide-se em 3 dimensões e 10 indicadores agrupados nestas: a nutrição e a mortalidade infantil na dimensão da saúde; anos de escolaridade obtidos e assiduidade escolar na dimensão da educação; combustível usado para cozinhar, saneamento, água potável, eletricidade, casa e bens materiais na dimensão das condições de vida. Estes indicadores têm todos o mesmo peso dentro das categorias respetivas, contudo, em termos de cálculo, os indicadores da dimensão saúde e da dimensão da educação valem 1/6 cada, enquanto, os indicadores da dimensão das condições de vida valem 1/18. Consequentemente, se uma pessoa tiver uma pontuação acima de um terço (acima de 33,3%) é considerada pobre de forma multidimensional. A partir daqui, inicia-se o desenho de perfis para agregados familiares e os seus constituintes, mediante as suas pontuações em cada indicador, calculadas através da equação IMP= H x A (H para a proporção de pessoas que vivem em pobreza multidimensional e A para a pontuação média de privação entre as pessoas pobres de forma multidimensional).

A edição de 2023 (a mais recente) depara-se com um mundo pós-pandemia COVID-19, em emergência climática e em crise do aumento de custo de vida, bem como, na presença de conflitos armados em quase todos os continentes. Parece facilmente dedutível que aqueles que já se encontravam fragilizados antes deste situações transformativas (por vezes até há gerações) haveriam de ficar em pior situação, somando-se a estes os novos pobres resultantes destas mesmas situações. Apesar de nos últimos 15 anos 25 países terem reduzido o seu valor de IMP em metade e 72 em 81 países (cerca de 5 mil milhões de pessoas) terem diminuído de alguma forma o seu valor de IMP, a maior parte dos dados destes países são anteriores à pandemia de COVID-19, havendo o apelo no relatório para a urgência da obtenção de dados mais recentes.

O relatório desse ano identifica 1.1 mil milhões de pessoas pobres das 6.1 mil milhões de pessoas englobadas no levantamento de dados, em que cerca de 198 milhões (18%) vivem em situação aguda de pobreza multidimensional. O relatório desagrega os dados em regiões subnacionais, grupo etário e dictomia rural-urbano, para se poder observar onde é que as pessoas pobres vivem, onde a pobreza é mais intensa e quais são os grupos mais pobres.

Quase metade das pessoas mais pobres (47.8%) vive na região da África Subsariana e cerca de um terço (34.9%) no Sul da Ásia. Apesar de tal averigua-se que 65% de todas as pessoas pobres vivem em apenas 5 países: China, Indonésia, Myanmar, Sudão e Iémen, contudo, os dados mais recentes destes países têm entre 7 a 11 anos de idade, e mais uma vez, a falta de dados atuais, não permite a análise ideal sobre a situação atual. Na África Subsariana encontram-se os países com percentagem de população mais empobrecida: Burundi, República Centro Africana, Chade e Níger. A pobreza multidimensional afeta de forma desproporcional países de baixos rendimentos ou, por outras palavras, não-desenvolvidos, apesar destes serem apenas 10% daqueles que o IMP usa para os seus dados, mas terem como habitantes 34,7% de todas as pessoas pobres. Apesar disso, maior parte das pessoas pobres vive em países de rendimentos médios (países em desenvolvimento) perfazendo 387 milhões de pessoas ou 65,3%.

Assim, na tentativa de definir melhor a pobreza multidimensional, o IMP calcula a incidência e a intensidade desta nos 110 países, encontrando uma relação entre estes dois indicadores: quando maior a incidência de pobreza num dado país maior a intensidade da pobreza que cada pessoa sofre. Enquanto das 1.1 mil milhões de pessoas pobres, 438 milhões destas tem um valor baixo de privação, 485 milhões destas sofrem de pobreza extrema, i.e., maior parte das pessoas pobres sofrem de taxas de privação acima de 50% na tabela de pobreza multidimensional. A região da África Subsariana, como foi dito acima, é a região do mundo com mais pessoas pobres, mas também a que tem mais pessoas em situação severa de pobreza, incluindo 10 milhões (das 12 milhões mundiais) de pessoas que se classificam com mais de 90% na taxa de privação.

Ao desagregar os dados em 3 lentes: regiões subnacionais; grupos etário e dictomia rural-urbana, podemos compreender, com a primeira, que: países que têm valores medianos de pobreza, ao verificar-se os dados em algumas das suas sub-regiões podem ser encontrado valores muito acima ou muito abaixo da média nacional, ou seja, em certos países as pessoas pobres encontram-se concentradas em massa em certas zonas geográficas. Na segunda lente averigua-se que a faixa etária mais exposta a pobreza é a das crianças (0-18 anos de idade), compondo mais de metade de toda a população pobre do mundo (566 milhões). As regiões com mais crianças pobres são, consequentemente, as regiões com mais pessoas pobres (África Subsaariana e Sul da Ásia). Na terceira lente entende-se que 84% das pessoas pobres vivem em zonas rurais e, assim, a pobreza rural é a mais dominante globalmente.

 

Com os vários relatórios do IMP têm se encontrando motivos de esperança, ao encontrarem-se decréscimos nos índices de pobreza na maior parte dos países. Contudo, não se pode afirmar com tanta certeza se tal se mantém devido a falta de dados atualizados após a pandemia de COVID 19. Apesar disto, são vários os casos de remissão de índices de pobreza multidimensional elevados que, independentemente do atual estado destes, devem ser vistos como casos de sucesso, tal como o caso do Camboja que em 7 anos e meio conseguiu reduzir o seu valor de percentual de IMP em 20%. Ou seja, de 5.6 milhões de pessoas pobres em 2014 o país passou a ter 2.8 milhões em 2022, sendo a faixa etária infantil a fase com mais progresso, bem como, a maior parte das suas regiões subnacionais.

O IMP tem sido útil para a verificação da evolução da pobreza mundial, mostrando-se valioso no processo de atingir o objetivo da erradicação da pobreza na agenda do ODS 2030. Os relatórios têm vindo, não só, a recolher dados sobre as privações e condições de vida da população mundial e analisá-los, mas também, a fornecer recomendações e perspetivas para a resolução da situações de pobreza mundial.

 

 

Referências Bibliográficas:

UNDP (United Nations Development Programme). 2023. 2023 Global Multidimensional Poverty Index (MPI): Unstacking global poverty: Data for high impact action. New York.

 

Publicado a 29/05/2024

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