Recensão por: Diana Deodato

Pike, A., Béal, V., Cauchi-Duval, N., Franklin, R., Kinossian, N., Lang, T., … Velthuis, S. (2023). ‘Left behind places’: a geographical etymology. Regional Studies, 58(6), 1167–1179. https://doi.org/10.1080/00343404.2023.2167972.

 

Qual é a relação entre a identificação com partidos populistas e viver numa zona geográfica onde predomine a desigualdade social? A seguinte recensão pretende estabelecer pontos comuns entre os fenómenos, especialmente, através do entendimento daquilo que são left behind places, conceito que, apesar de remontar à década de 1970, se tornou popular após a crise financeira de 2008, tendo como base o artigo “Left behind places: a geographical etymology” (Pike et al, 2023).

Pike et al (2023) partem do entendimento de que a expressão left behind places (lugares deixados para trás) tem vindo a popularizar-se como termo geográfico desde a crise de 2008 e que, apesar da sua utilidade para “expandir” a visão das desigualdades geográficas para lá da dimensão económica, esta não fornece a mais robusta das definições. Estes afirmam que esta expressão é usada com vários significados e propósitos, ou seja, a expressão é também usada para “simplificar, criar divisão e estigmatizar”. Apesar de tal, podemos associar o termo a várias características: “declínio económico, baixa produtividade, baixa empregabilidade, baixos salários, baixos níveis de educação, maiores níveis de desigualdade e pobreza, diminuição de população e envelhecimento desta, imigração, (…) poucas infraestruturas, fraco investimento (privado e estatal), negligência política, sentimentos de descontentamento e perda de interesse” (Pike et al., 2023, p. 4).

As pessoas que aí habitam poderão ficar “presas” a esse sítio, caso os níveis de educação sejam baixos, a sua idade avançada ou a sua saúde fraca, isto é, caso não sejam muito atrativas para o mercado de trabalho. Assim, aqueles que são mais jovens e que têm mais qualificações poderão com mais facilidade sair, pois conseguem empregar-se em zonas com mais oferta. Com isto, o território “deixado para trás” empobrece ainda mais ao conseguir reter cada vez menos membros ativos da sociedade, reduzindo a sua capacidade de revigoramento. Os autores expõem a ideia de que os sítios left behind “contrastam com a associação positiva da ‘região-cidade’ competitiva e global” (Pike et al., 2023, p. 4). Os autores tentam, neste artigo, aprofundar o termo e quais as consequências do seu uso.

Num primeiro momento, o artigo tenta definir quem são as pessoas “deixadas para trás”: estes serão aqueles cujas vidas poderão ser caracterizadas através de uma série de indicadores negativos em várias dimensões, tais como o indicador de “má qualidade do ar” para a dimensão do ambiente, ou a “falta de investimento público” na dimensão das infraestruturas. Em zonas em que estes indicadores prevalecem, sentimentos de descontentamento poderão surgir na população, sendo a partir daqui que os partidos populistas ganham terreno.

Indicando um ou mais culpados da situação que estas pessoas vivem, os partidos de carácter populista conseguem nestes territórios relevantes resultados eleitorais, mobilizando as pessoas “deixadas para trás” contra as “elites” e apresentando-se como a sua única solução. Num outro texto, Dijkstra, Poelman e Rodríguez-Pose (2019) apercebem-se que muitos desses partidos populistas são também anti-União Europeia (UE). Assim, as políticas dominantes da UE são apresentadas por estes partidos como principais responsáveis pela situação em que estas pessoas, entre as quais predomina o sentido de descontentamento acima mencionado, se encontram. Aliada à mensagem divisiva destes partidos, encontra-se também um ideário nacionalista, no qual a UE e os migrantes são apresentados como “ameaça à identidade nacional”. Os autores, ao desenhar os perfis dos votantes destes partidos, utilizam o termo left-behind, encontrando nestes as seguintes características: a idade avançada, os reduzidos níveis de escolaridade obtidos, os baixos rendimentos, para além de, em menor prevalência, o desemprego e a falta de mobilidade geográfica. Num outro artigo, Rodríguez-Pose (2018) afirma que os votos em partidos populistas por parte desta população são a “vingança dos sítios que não importam”, isto é, que apesar de serem as pessoas os agentes do voto, estas votam nestes partidos devido ao sítio onde vivem ter sido “deixado para trás”, como se “fossem os sítios que votassem” e não os indivíduos.

Num outro texto, Jay et al. (2019) relacionam os partidos de extrema-direita populistas com as desigualdades sociais. Numa época em que os partidos populistas têm tido os melhores resultados desde a Segunda Guerra Mundial (Mudde, 2016), também as desigualdades aumentaram a níveis semelhantes aos desse período (Piketty & Saez, 2014). Os autores reiteram que as desigualdades económicas promovem uma “erosão da coesão social”, fazendo com que o apoio popular a medidas educacionais, de saúde, entre outras, reduza (Bloomquist, 2011). Ou seja, quanto maior a situação de desigualdade económica, maior é a exposição das fragilidades das instituições. Assim, apoiando-se em propostas anti-Estado, estes partidos capitalizam estas situações de fragilidade para mobilizar votos.

Outros atores e fenómenos contribuíram de igual forma para estas situações. Pike et al. (2023) entendem que as medidas neoliberais de trickle down economics podem ter sido implementadas com o intuito de, com a “transferência” de receita produzida por estas, estes lugares deixariam de ficar “para trás” e, eventualmente, passariam a ter o mesmo grau de produtividade económica dos outros lugares. Contudo, estas medidas, amplamente adotadas a partir dos anos 1980 na maior parte do mundo, podem ter intensificado as desigualdades presentes nos territórios mais “esquecidos”, ao contrário do esperado. Assim, esta abordagem económica tornou-se amplamente impopular entre as populações afetadas, contribuindo para o aumento do sentimento de “ser ignorado, negligenciado e posto de lado, por parte das elites liberais, distantes e cosmopolitas e metropolitanas” (Pike et al., 2023, p. 6), alimentado pela retórica dos partidos populistas. Estes partidos usam estes lugares como exemplo desta narrativa, apresentando-se como os únicos agentes capazes de mudar o paradigma.

Com isto, os autores afirmam que, atualmente, o termo left behind places é usado como ferramenta política por parte dos partidos populistas, que atribuem um caráter homogéneo a todos os lugares que caem nesta categoria, tendo como consequência o esquecimento das diversas dificuldades e idiossincrasias que cada um destes territórios poderá ter. Assim, o termo é hoje catch-all e carece de definições claras, sendo usado facilmente em qualquer situação, moldando-se assim, à vontade de quem o use (Pike et al., 2023, p. 5).

Pike et al. (2023), por fim, analisam qual poderá ser o futuro do conceito. Acreditam que este poderá vir a perder importância nalguns contextos nacionais, ou vir a ser usado para se referir a outras zonas geográficas mais urbanizadas. Independentemente do que acontecer, os autores urgem que este termo seja usado positivamente, de maneira a valorizar as áreas económica e socialmente abandonadas e procurar soluções para os seus problemas.

 

Referências:

Dijkstra, L., Poelman, H., & Rodríguez-Pose, A. (2019). The geography of EU discontent. Regional Studies, 54(6), 737–753. https://doi.org/10.1080/00343404.2019.1654603.
Jay, S., Batruch, A., Jetten, J., McGarty, C., Muldoon, O.T. (2019). Economic inequality and the rise of far-right populism: A social psychological analysis. J Community Appl Soc Psychol, 29, 418–428. https://doi.org/10.1002/casp.2409.

Pike, A., Béal, V., Cauchi-Duval, N., Franklin, R., Kinossian, N., Lang, T., … Velthuis, S. (2023). ‘Left behind places’: a geographical etymology. Regional Studies, 58(6), 1167–1179. https://doi.org/10.1080/00343404.2023.2167972.

Rodríguez-Pose, A. (2018). The revenge of the places that don’t matter (and what to do about it). Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 11(1), 189–209. https://doi.org/10.1093/cjres/rsx024.

Mudde, C. (2016). Europe’s Populist Surge: A Long Time in the Making. Foreign Affairs, 95(6), 25–30. http://www.jstor.org/stable/43948378.

Piketty, T., & Saez, E. (2014). Inequality in the long run. Science, 344(6186), 838–843. https://doi.org/10.1126/science.1251936.

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