Condicionamento dos trajetos sociais e económicos produz-se a partir da base e do topo da estrutura social. Reprodução socioeconómica é elevada em Portugal. Conclusões de um estudo da OCDE.
Ao contrário do que é muitas vezes defendido por certos quadrantes políticos e intelectuais, a desigualdade económica não favorece nem sequer é neutra na determinação dos processos de mobilidade social. Os países mais desiguais não registam níveis de mobilidade mais elevados entre gerações nem nos trajetos de vida dos indivíduos. Na verdade, a mobilidade tende a ser mais elevada em países com menores níveis de desigualdade na distribuição do rendimento.
Em termos médios, nos países da OCDE, um filho de uma família situada nos 10% da base da distribuição interna do rendimento demora quatro ou cinco gerações (caso de Portugal) a aproximar-se do rendimento médio do país. No Brasil e na África do Sul, países com desigualdades de rendimento elevadas e baixa mobilidade, essa convergência económica é estimada em nove gerações. Na Colômbia, o valor é ainda maior: 11 gerações, ou seja, cerca de 300 anos.
Em Portugal, 24% dos descendentes de pais com baixas remunerações ocupam também uma posição desfavorável na distribuição desse recurso, enquanto 21% deles conseguem elevar-se até aos grupos da parte superior dessa hierarquia – um valor um pouco superior ao registado no conjunto de países da OCDE. No que ao topo da distribuição diz respeito, 39% dos indivíduos provenientes dessa latitude da distribuição mantêm esse lugar, valor semelhante à média da OCDE.
Uma das conclusões mais interessantes do estudo A Broken Social Elevator? How to Promote Social Mobility prende-se com o facto de a reprodução económica ser, nos países da OCDE, mais pronunciada na parte superior da distribuição desse recurso do que na base. O nível de condicionamento exercido na base e no topo varia consoante o país, tal como a sua combinação. Em Portugal, tal como na Bélgica, no Canadá, em França, no Luxemburgo, em Itália e na Suécia, a reprodução social deste recurso num dado ciclo de vida (quatro ou nove anos, consoante o país) é bastante vincada na base, enquanto no topo esse fenómeno está ao nível dos valores médios apurados para o conjunto de países da OCDE.
A parcela intermédia é a mais permeável às dinâmicas de mobilidade, ascendentes ou descendentes. A este respeito, refere-se que os indivíduos situados na parte inferior das classes de rendimento intermédio (nomeadamente, os indivíduos pertencentes ao 2.º quintil (P20-P40) têm altas probabilidades de descerem para a base da distribuição (20% com menos rendimentos). Portugal integra o grupo de países em que os indivíduos com um rendimento próximo da mediana têm mais probabilidades de conhecerem uma mobilidade descendente e menos probabilidades de subirem na hierarquia do rendimento.
Estes padrões agudizaram-se desde os anos de 1990. Nesse período, as dinâmicas de mobilidade eram maiores face ao observado na atualidade. Tal como é mencionado no estudo, apesar dos níveis de desigualdade na distribuição interna do rendimento terem aumentado desde o final do século passado até aos dias de hoje, tal não significou um aumento da mobilidade na distribuição desse recurso.
A relação entre desigualdade e mobilidade estabelece-se também noutros domínios que não apenas o económico. No universo de países da OCDE, entre as pessoas provenientes de famílias com baixos recursos educativos, 43% não vão além do ensino básico e apenas 12% concluem um nível superior de ensino. Pelo contrário, 63% dos indivíduos que provêm de famílias com níveis de escolaridade elevados têm também esse tipo de recursos – nos países da OCDE, apenas 7% dos indivíduos que têm pais com formação académica não foram além do ensino básico (ISCED2). A correlação entre a formação escolar dos pais e a dos filho é particularmente forte nos países do sul da Europa, nomeadamente em Portugal, e nos países emergentes. Esse facto tem impacto não só na reprodução dos níveis de escolaridade, mas influencia também os níveis de literacia e numeracia dos alunos: os resultados na numeracia são cerca de 20% mais elevados no caso dos que provêm de famílias com um estatuto socioeconómico favorecido.
Este tipo de reprodução aplica-se também à ocupação profissional: cerca de metade (48,2%) dos descendentes de chefias e directores exercem esse tipo de função, enquanto menos de ¼ dos descendentes de trabalhadores manuais têm a probabilidade de exercer essas atividades. Essa desigualdade de oportunidades manifesta-se igualmente no facto de 37% dos descendentes de trabalhadores manuais terem uma ocupação profissional análoga – em Portugal esse valor é bastante superior, situando-se me 55%.
A reprodução da desigualdade no domínio da saúde é outra dimensão focada por este estudo. O nível de riqueza ou os comportamentos relacionados com a saúde são duas das dimensões fundamentais na determinação deste fenómeno. A probabilidade de se ter uma doença crónica é 13% mais baixa quando os pais são ricos, sendo que o facto de se ter este tipo de doenças na infância aumenta em 5,5% a probabilidade de estas afetarem o indivíduo na idade adulta. Ademais, o tabagismo parental aumenta em 8,8% a probabilidade de os filhos terem esse hábito. Essa correlação existe também no caso do consumo de álcool, mas é menos intensa: de 5% no caso dos homens e 4% no caso das mulheres.
Neste estudo são definidas algumas tendências geográficas no que à mobilidade social diz respeito: mobilidade de remunerações, ocupação profissional e educação elevada nos países do norte da Europa e baixa mobilidade nos países da Europa central (nomeadamente, na Alemanha e em França); os países do sul da Europa apresentam baixos níveis de mobilidade ao nível da ocupação profissional e da educação, mas têm resultados um pouco melhores em relação à mobilidade remuneratória intergeracional; alguns países de língua inglesa apresentam uma elevada mobilidade na remuneração (Nova Zelândia e Canadá), outros têm esse tipo de desempenho em relação à ocupação profissional (Reino Unido e Estados Unidos), mas tendem a ter resultados negativos nas outras dimensões; o Japão e a Coreia do Sul registam uma mobilidade educativa elevada e valores médios para a mobilidade remuneratória; os Estados Unidos e a Alemanha são os países que registam maiores níveis de reprodução social na base e no topo da distribuição do ganho remuneratório.
Este estudo debruça-se também sobre as consequências negativas da reprodução social e elenca um conjunto de fatores que determinam os padrões de mobilidade social. No caso de Portugal, refere-se que o desemprego de longa duração amarra os indivíduos à base da distribuição dos recursos e a precariedade contratual introduz insegurança nos percursos de vida.
Frederico Cantante